Notícia publicada originalmente na ConJur
A amamentação e os cuidados maternos da mulher presa com o filho são formas de trabalho que exigem esforço contínuo, indispensáveis ao desenvolvimento saudável da criança. Por isso, devem ser reconhecidos para fins de remição de pena.
A conclusão é da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que concedeu uma ordem em Habeas Corpus em benefício de uma mulher que cuidou do filho enquanto esteve presa.
O julgamento se deu por maioria de votos e foi encerrado nesta quarta-feira (13/8). Ele não tem caráter vinculante, mas apresenta a juízes e tribunais como o tema deve ser tratado conforme a interpretação do STJ.
O pedido da Defensoria Pública de São Paulo foi de uma interpretação extensiva do artigo 126 da Lei de Execução Penal, que trata das hipóteses de remição de pena.
A norma diz que o condenado em regime fechado ou semiaberto poderá reduzir, por trabalho ou por estudo, parte da pena fixada na execução.
O STJ e os Tribunais de Justiça já aceitam a interpretação extensiva para admitir a remição de pena em outras hipóteses não previstas, como em casos de leitura de livro ou produção de artesanato.
Amamentação é trabalho
Prevaleceu no STJ o voto do relator do HC, ministro Sebastião Reis Júnior. Votaram com ele os ministros Rogerio Schietti, Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas, além do desembargador convocado Otávio de Almeida Toledo.
Para eles, a equiparação dos cuidados maternos ao trabalho para fins de remição não só é justa, como admissível juridicamente, à luz das normas que regulamentam a licença-maternidade no Brasil e dos compromissos internacionais do país sobre o tema.
Sebastião destacou que, nos casos excepcionais em que a mulher continua presa junto com o bebê, ela exerce a hipermaternidade e fica privada de estudos ou trabalho. Assim, deixa de ter oportunidades para remição de pena.
Dessa maneira, dar ao termo “trabalho”, previsto no artigo 26 da Lei de Execução Penal, uma interpretação extensiva para incluir os cuidados próprios da maternidade é essencial para garantir equidade entre gêneros no aceso à remição.
“Mulheres encarceradas enfrentam dificuldades significativamente maiores para reduzir tempo de cumprimento da pena devido à responsabilidade no cuidado de crianças dentro das unidades prisionais”, justificou ele.
Teses de julgamento
A definição do caso concreto gerou três teses de julgamento aprovadas pelo colegiado:
1. A interpretação extensiva do termo ‘trabalho’ no art. 126 da LEP inclui os cuidados maternos como atividade para fins de remição de pena.
2. A amamentação e os cuidados maternos são reconhecidos como formas de trabalho para remição de pena, considerando sua importância para o desenvolvimento da criança.
3. As desigualdades de gênero devem ser consideradas nas decisões judiciais, eliminando estereótipos que influenciam negativamente as decisões.
Interpretação inviável
Abriu a divergência e ficou vencido o ministro Joel Ilan Paciornik, acompanhado pelo ministro Messod Azulay e pelo desembargador convocado Carlos Cini Marchionatti.
Para eles, a interpretação extensiva é exagerada e a definição da remição de pena por amamentação deve ser feita pela via adequada: a legislativa.
A divergência destacou que a jurisprudência do STJ trata com rigor a comprovação das atividades que geram remição. Nesse sentido, como comprovar e quantificar o tempo de amamentação e cuidado com os filhos?
“Os cuidados maternos não se enquadram em qualquer categoria expressa ou implicitamente contemplada na Lei de Execução Penal: não constituem atividade educacional, laboral em sentido técnico jurídico, nem objeto de regulamentação especifica ainda pelo Conselho Nacional de Justiça”, disse Joel.
As advogadas Cecilia Mello, Flávia P. Amorim e Marcella Halah, sócias do escritório Cecilia Mello Advogados e autoras do artigo “A Amamentação como Trabalho de Cuidado para Fins de Remição da Pena”, publicado no livro Proteção Jurídica dos Cuidados, avaliam que a decisão é um marco histórico:
“Essa decisão corrobora a tese de que o cuidado materno — mesmo não remunerado — deve ser reconhecido como atividade compatível com os fins da Lei de Execução Penal, corrigindo omissão histórica e promovendo justiça de gênero e valor social ao cuidado materno como trabalho”, disse Cecilia Mello.
HC 920.980