A responsabilização de dirigentes de grandes companhias é tema em voga diante dos acontecimentos envolvendo empresas notáveis no mercado nacional brasileiro. É possível analisar a questão por diferentes vieses e, em que pese as diversas facetas da responsabilização penal empresarial – no âmbito financeiro, tributário, previdenciário, ambiental ou de gestão – visaremos aspectos amplos, porém primordiais ao Estado Democrático de Direito.

Justamente por se tratar de delitos perpetrados em ambiente empresarial, onde há grande descentralização e distribuição de funções, deparamo-nos principalmente com obstáculos relativos à necessidade de indicação de pessoas envolvidas e delimitação das condutas praticadas, com o intuito de que a responsabilidade penal seja atribuída àquele que, efetivamente, tenha concorrido para a prática criminosa, nos limites de seus atos e em estrito cumprimento ao artigo 41 do Código de Processo Penal.

No ponto, convém ressaltar relevante questão de cunho processual: a individualização da conduta do agente. A descrição pormenorizada da ação ou omissão supostamente praticada por dirigentes de companhias é indispensável à imputação de atuação criminosa, em particular nas hipóteses de infração penal praticada por mais de um agente. Além disso, é imprescindível apontar o vínculo entre a conduta do sujeito na cadeia diretiva e o resultado ilícito – nexo de causalidade -, assim como o dolo.

Porquanto, deve-se individualizar, ao máximo, as ações delitivas atribuídas aos autores, coautores e partícipes, bem como demonstrar o vínculo de cada um dos agentes com o ato ilícito que lhe está sendo imputado, com o objetivo de evitar acusações genéricas, sobretudo em caso de crime societário, ou seja, e autoria coletiva.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente posicionamento firmado pelo ministro Rogerio Schietti Cruz, no julgamento do RHC139465/PA, asseverou ser insuficiente e equivocado afirmar que um indivíduo é autor porque detém o domínio do fato se, no plano intermediário ligado aos fatos, não há nenhuma circunstância que comprova a existência de plano delituoso comum ou contribuição relevante para a ocorrência do fato criminoso.

Na ocasião, foi ventilada a importância de se observar no plano fático-probatório: o nexo causal, eis que este não pode ser simplesmente aferido pela posição ocupada pela pessoa física na empresa, em especial, quando há imputação de crimes empresariais; e a conduta do agente, a fim de que seja detectado substrato mínimo para a identificação de comportamento concreto violador de um determinado tipo penal. Esses são requisitos mínimos a evitarem que haja a responsabilização de sujeitos unicamente pelo fato de pertencerem a uma sociedade empresarial.

Portanto, a mera ocupação de qualquer uma das funções ou de cargos diretivos não pode ensejar a presunção de que o sujeito detivesse conhecimento ou tivesse participação em eventual empreitada criminosa, para que seja penalmente responsabilizado por ato violador de um determinado tipo penal.

Ademais disso, uma futura condenação, pode ser calcada na teoria do domínio do fato, que ganhou ampla notoriedade durante o julgamento do mensalão e, por outro lado, escasso conhecimento a seu respeito. Referida teoria, por sua vez, define quem é o autor de um crime, de modo que pressupõe a identificação do efetivo detentor do domínio do fato, distinguindo-o do mero partícipe, implicando em condenações condizentes com cada uma das ações praticadas.

O Supremo Tribunal Federal (STF) no HC 136.250/PE rechaça a utilização equivocada da teoria do domínio do fato através de denúncia que se ampara em mera conjectura. Nesse precedente, almejava-se alcançar a responsabilização penal dos dirigentes a partir do pressuposto de que integravam o quadro societário da empresa investigada, como se tal constatação, por si só, conferisse substrato mínimo suficiente a embasar uma acusação criminal.

A teoria do domínio do fato não pode ser utilizada como fundamento único a embasar uma acusação. Ainda mais pelo fato de que a sua aplicação advém de situações excepcionais, melhor dizendo, tão somente em estruturas hierarquizadas que atuam fora da lei. Claus Roxin, criador da teoria, afirmou ser incorreto o seu emprego em estruturas empresariais, por serem “estruturas do poder que atuam dentro da lei”.

Eventual condenação não pode advir de simples presunção decursiva assente na posição que determinada pessoa física assume em uma empresa. Simples assim: sem provas ou em caso de dúvida, absolve-se o réu, com ou sem domínio do fato.

A ausência de informação e de clareza na peça acusatória obsta que o acusado efetivamente exerça o contraditório e a ampla defesa, direitos que lhe são assegurados pela Constituição Federal.

Diante desse contexto e reforçando os ensinamentos de Lenio Luiz Streck, é impensável que, no Estado Democrático de Direito, um sujeito seja penalmente condenado a partir de mera presunção decursiva, sob pena de direta violação ao princípio constitucional da presunção de inocência, incorrendo em patente inconstitucionalidade. Por certo, as condutas que afrontam a legislação penal brasileira precisam ser punidas, como também devem ser asseguradas as garantias constitucionais mínimas.

Artigo publicado no Valor Econômico.

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