Este é o sentimento que tive ao saber que a Câmara aprovou, em “pacotão”, a revogação da atenuante da menoridade penal e da contagem, pela metade, da prescrição para aqueles que, ao tempo do crime, eram menores de 21 anos (projeto de lei 2862/04) –mas manteve essas prerrogativas para réus de 70 anos ou mais.
Pergunto: excluída a hipótese de insanidade mental, qual grupo de indivíduos tem maior compreensão e consciência da prática de um delito? A falta de técnica para o trato do assunto parece-me flagrante, apesar de não ser essa a discussão.
A redução da maioridade penal é debate diverso. Aqui, o que pretendem revogar é a determinação legal de redução da pena a ser aplicada ao jovem que tenha cometido um delito entre 18 e 21 anos e a contagem do prazo prescricional pela metade. Os argumentos: “modernizar” a lei brasileira, com o pretexto de que todo jovem entre 18 e 21 anos tem “plena” consciência do ato criminoso que pratica.
Os legisladores vivem infinito distanciamento da realidade social. Não da realidade violenta e cruel que assola o país –esta todos conhecem. Falo da realidade desses jovens que, na sua maioria, cometem, nessa idade, o primeiro delito, no mais das vezes sem violência.
Desconhecem, esses políticos, pilares básicos da crença no ser humano, da recuperação e da reinserção social. Desconhecem princípios que norteiam a aplicação e a execução da pena; que a solução dos conflitos e da violência depende do respeito, da punição efetiva e equilibrada e da valorização da dignidade humana.
Depende, essencialmente, de tentarmos recuperar, por via transversa, aquilo que foi prometido e não dado no tempo certo.
Quanto ao sistema carcerário, em dados aproximados, 50% das condenações são por delitos de tráfico de drogas e roubo; 75% dos presos têm, no máximo, ensino fundamental completo ( 53% incompleto; 6% analfabetos); 30% estão entre 18 e 24 anos, faixa etária que representa só 11% da população brasileira, o que aponta para um universo imenso de jovens encarcerados.
Desnecessário falarmos das deploráveis condições do sistema prisional, situação conhecida de todos, esquecida por conveniência política e social. Mas vale um pequeno destaque: a taxa de mortalidade nas prisões é três vezes maior do que fora delas, a incidência de HIV e tuberculose são, respectivamente, 60 e 38 vezes maiores do que na população em geral.
Durante anos de judicatura, talvez a minha mais intensa reflexão —e a maior preocupação— tenha sido sobre a primeira condenação de um jovem, a possibilidade da sua recuperação e a efetiva necessidade da prisão.
Estamos falando de tudo quanto, por descumprimento de direitos básicos, não lhe foi dado ou até mesmo lhe foi tirado. Será que ainda iremos restringir, mais e mais, as suas possibilidades de recuperação? Quantas gerações iremos perder? Não falo de impunidade, falo de adequação, de equilíbrio, de punição com ressocialização; falo de dignidade, de eficiência do Estado no trato com o ser humano.
Será que realmente acreditam na competência do nosso sistema prisional? Verdadeiramente, acho que não pensam nisso.
O anseio por justiça e pela diminuição da violência leva a um raciocínio de encarceramento eterno, como que, se presos, de lá não mais saíssem. Ainda que não seja por ética, direito ou compaixão, vale a reflexão de uma frase atribuída aos presos pelo professor Alvino Augusto de Sá: “Hoje estou contido, amanhã estarei contigo”.
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo.