Por Cecilia Mello, Flávia Silva Pinto e Júlia Dias Jacintho

Artigo publicado no livro “Direito Penal à luz do STF”, lançado pela Comissão de Direito Penal da OAB-SP.

Resumo: O presente trabalho busca analisar o feminicídio e outros tipos de violência contra a mulher no contexto mundial, cujos reflexos, especialmente no Brasil, são preocupantes. Inicia-se com uma análise acerca do patriarcalismo, responsável pelo engessamento do tema durante séculos, perpassando pela lenta e difícil evolução dos direitos das mulheres, porta aberta para violências e mortes. São abordados importantes acontecimentos que motivaram ações de órgãos internacionais e nacionais, como o caso do “Campo Algodonero” no México e da “Maria da Penha Maia Fernandes” no Brasil. Realiza-se um exame sobre a transcendência da Lei Maria da Penha e sua influência para o surgimento do feminicídio na legislação brasileira. São abordados alguns subtemas discutidos no universo da qualificadora do feminicídio perante a jurisprudência pátria, especialmente no Supremo Tribunal Federal. Finalmente, com especial reflexão sobre duas decisões proferidas pela nossa Suprema Corte: o Habeas Corpus 178.777/MG e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 779 MC-Ref/DF.

Palavras-chave: feminicídio. violência contra a mulher. campo algodonero. lei maria da penha. Supremo Tribunal Federal.

Sumário: 1. Introdução; 2. Evolução histórica dos direitos das mulheres e a inclusão do feminicídio no Código Penal brasileiro; 3. Discussões acerca da Lei nº 13.104/2015 e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal; 4. O Supremo Tribunal Federal: HC 178.777/MG e ADPF 779 MC-Ref/DF; 5. Conclusão.

1. INTRODUÇÃO

“Em todos os lugares do mundo, todos os dias, mulheres são vítimas de assassinatos pelo simples fato de serem mulheres.”1. Em razão dessa triste realidade2, há necessidade de se refletir constantemente sobre a importância da previsão legal do crime de feminicídio, seu respectivo contexto histórico, bem como trazer à baila discussões tangenciais (porém, não menos significativas) a respeito da referida qualificadora, especificamente aquelas levadas a efeito perante o Supremo Tribunal Federal.

Não é segredo que a Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, ao dispor sobre os direitos e as garantias individuais, expressamente aponta a proteção à vida, a dignidade da pessoa humana e a igualdade entre homens e mulheres, pilares indispensáveis do Estado Democrático de Direito.

Sob a perspectiva do Direito Penal, o texto constitucional assegura a tutela de determinados bens jurídicos e, consequentemente, limita a atuação do jus puniendi do Estado para a hipótese de conduta lesiva ou, em determinados casos, que coloque em risco, esses mesmos bens jurídicos penalmente tutelados.3

Em outras palavras, verifica-se o caráter repressivo da tutela do direito penal na proteção de bens jurídicos considerados fundamentais para a convivência social e representativos de valores constitucionais. Segundo Claus Roxin, são “pressupostos imprescindíveis para a existência em comum, que se caracterizam numa série de situações valiosas, como, por exemplo, a vida, a integridade física, a liberdade de atuação, ou a propriedade, que toda a gente conhece, e, na sua opinião, o Estado social deve também proteger penalmente”4.

No que se refere ao bem jurídico vida, mais especificamente a vida da mulher, este sempre foi tutelado pela figura do “homicídio”. Ocorre que o crime tipificado no artigo 121 do Código Penal não foi suficiente para a efetiva proteção da vida da mulher. Diante disso, foram editadas a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e, posteriormente, a Lei nº 13.104/2015, que alterou o Código Penal para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, acrescentou hipóteses de aumento de pena, inseriu norma penal explicativa, bem como incluiu o feminicídio no rol dos crimes hediondos, disciplinados pela Lei nº 8.072/1990.

É nítido que referidas leis foram um reflexo da necessidade de uma proteção especial à vida da mulher, tendo em vista a opressão enfrentada por mulheres também em suas relações domésticas e familiares. Guilherme Nucci aponta que “[o] feminicídio é uma continuidade dessa tutela especial, valendo-se de sua condição de sexo feminino”.5

No aspecto jurisprudencial, precisam ser pontuados no universo do feminicídio: (i) dilema entre “gênero x sexo feminino”, em razão do texto da qualificadora ter adotado esta última opção; (ii) a (in)existência de expansionismo penal; (iii) bis in idem no que abrange à cumulação de qualificadoras contidas no artigo 121 do Código Penal; e, (iv) a importância do princípio da isonomia.

Da mesma forma, imprescindível a análise de duas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal: (i) o HC 178.777/MG6, julgado pela Primeira Turma em 29 de setembro de 2020, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio; e (ii) ADPF 779 MC-Ref/DF7, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, com julgamento virtual realizado pelo Tribunal Pleno, finalizado em 13 de março de 2021.

A primeira trata sobre a possibilidade de revisão de decisão absolutória proferida pelo Tribunal do Júri, cuja soberania é constitucionalmente reconhecida, em relação a determinado réu que confessara a prática do delito de tentativa de homicídio qualificado por feminicídio. A segunda tem como objeto do julgamento a (impossibilidade de) utilização, pela defesa, da tese de “legítima defesa da honra” como causa excludente da ilicitude na prática de feminicídio.

Objetiva-se, assim, analisar brevemente a evolução histórica dos direitos das mulheres no mundo e no Brasil, bem como discorrer sobre as questões incidentais acerca da Lei do Feminicídio e, ao final, analisar julgados do Supremo Tribunal Federal relativos à essa temática.

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DAS MULHERES E A INCLUSÃO DO FEMINICÍDIO NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

A partir de uma certeza socialmente compartilhada, o processo de evolução para que os direitos das mulheres passassem a ser reconhecidos como direitos humanos, nacional e internacionalmente, foi lento e difícil. E na verdade ainda tem sido, em decorrência da própria dinâmica de uma sociedade eminentemente patriarcal. O fenômeno da violência contra a mulher é indiscutivelmente uma questão de gênero e merece permanente destaque tanto sob ótica social, como também no âmbito dos debates jurídicos.

Soraia da Rosa Mendes8, citando Alda Facio, aponta que “o patriarcado é um sistema que justifica a dominação sobre a base de suposta inferioridade biológica das mulheres que tem origem na família, cujo comando por milênios foi exercido pelo pai, e que se projeta em toda ordem social.”.

Nessa toada, é importante observar que o patriarcado é algo inconcebível atualmente, porém ainda visto, justamente por ser fruto de comportamentos sociais construídos e enraizados durante séculos, que conduziram a diversas problemáticas em desfavor das mulheres:

“Perceber, portanto, que os estereótipos de homens e mulheres, do feminino e do masculino são construídos a partir da socialização, da história e da vivência de cada pessoa e de cada sociedade é imprescindível para identificar os problemas que são consequências dessa construção, para, a partir dessa constatação, buscar soluções para as questões problemáticas, especialmente no que tange às violências (…).”9.

A sociedade patriarcal oprimiu, e permanece oprimindo, as vozes das mulheres. Atribui às mulheres a responsabilidade pelas consequências físicas e psicológicas decorrentes de atos de violência dos quais elas são as vítimas. Espelho desse contexto são os constantes alertas emitidos reforçando a ideia de que o espaço público não pertence à mulher, mas somente ao homem, e que, caso ela queira ocupá-lo, deve se valer de um homem para acompanhá-la.10

De igual modo, a escolha de determinadas peças de roupas, a adoção de posicionamentos políticos feministas e o adultério são arquétipos socialmente construídos considerados como comportamentos ensejadores da prática de crimes contra mulheres, frutos de uma percepção desumana e preconceituosa.

Em um panorama histórico, tem-se que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, representa um marco na conquista por direitos humanos, como liberdade e igualdade, mas tais direitos não foram garantidos a todas as pessoas, fato que revela evidente delimitação conferida ao referido documento: as mulheres não foram incluídas no texto inicial da Declaração.11

Em contraponto à mencionada omissão, Renata Bravo relata, em seu livro “Feminicídio: tipificação, poder e discurso”, a história de Olympe de Gouges, também conhecida como Marie Gouze, importante abolicionista francesa e feminista que, em 1791, propôs a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, com alterações inclusivas no texto da Declaração de 1789 para acrescentar a mulher e a cidadã. Olympe de Gouges transpõe para as mulheres as vantagens do Estado de Direito, “insistindo no caráter bissexuado da comunidade civil e política”12 13.

“No entanto, a resposta do Estado à luta dessa ativista política foi a sua condenação à morte por ser considerada contrária à Revolução Francesa, tendo sido guilhotinada no ano de 1793.14 Antes de ser guilhotinada, porém, Olympes repetiu uma frase que constava do artigo X da sua Declaração e que já havia divulgado em panfletos: A mulher tem o direito de subir ao cadafalso; deve igualmente ter o direito de subir à tribuna”.15 16

Muitos anos depois, especificamente em 1948, a Assembleia Geral das Nações adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual se extrai menção aos homens e às mulheres, ao tratar do respeito à igualdade entre ambos, afastando qualquer impossibilidade de fruição de direitos e liberdade, tanto pelos homens quanto pelas mulheres.17 As Nações Unidas reconhecem que o princípio da igualdade de gênero somente foi aprovado em função do trabalho de mulheres que defenderam arduamente uma Declaração verdadeiramente universal. Eleanor Roosevelt, ex-primeira-dama dos Estados Unidos, como Presidente da Comissão dos Direitos Humanos nas Nações Unidas, liderou o comitê que redigiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos e, não obstante as inúmeras diferenças de posicionamentos, conseguiu manter a unidade do grupo e conduzir a aprovação da Declaração. Mas foi conquista de Hansa Mehta, da Índia, a modificação da expressão “Todos os homens…” para “Todos os seres humanos nascem livres e iguais…”. E de Minerva Bernadino, diplomata da República Dominicana, a inclusão da expressão “a igualdade entre homens e mulheres” logo no preâmbulo da Declaração18, dentre outras conquistas de diversas mulheres representantes de seus países.

Em suma, foram várias as mulheres que tiveram atuação relevante para o reconhecimento da igualdade de gênero pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Cabe-nos fazer, todavia, especial referência à diplomata Bertha Lutz, representante do Brasil e notável líder na luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras, que conduziu o grupo de delegadas e defendeu com maestria os direitos das mulheres perante as Nações Unidas.19 20

Outros importantes acontecimentos podem ser citados como referenciais na construção de ações e políticas com relação aos direitos específicos das mulheres, não apenas no mundo, mas também no Brasil.21 No ano de 2015, foi aprovada a Agenda 2030 para Desenvolvimento Sustentável, criada pelos cento e noventa e três Estados-membros integrantes da Organização das Nações Unidades para implementação de “conjunto de objetivos e metas universais e transformadores, abrangente, de longo alcance e voltado para as pessoas” até o ano de 2030.

Nesse sentido, a igualdade de gênero figura como um entre os dezessete objetivos de desenvolvimento sustável integrantes da Agenda 2030, tendo sido o empoderamento de todas as mulheres e meninas sobrelevado no contexto. Todos os propósitos sobre o tema constam especificados no Objetivo nº 5 da Agenda, inclusive a eliminação de “todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos”.22

Feita essa breve, porém necessária abordagem histórica da evolução dos direitos das mulheres, é possível concluir que as formas como o gênero é construído e interpretado, longe de serem naturais, são moldadas pelas instituições erigidas pelo homem. A utilização da nomenclatura “homem” para se referir a essa generalidade humana já diz muito sobre sua natureza.

Acerca disso, Adriana Ramos de Mello vai além:

“Se os papéis do homem e da mulher parecem muito evidentes para nós, é porque vivemos no seio dessas instituições, que moldam nossas interpretações do mundo. Desenvolver outras interpretações, que gerem menos violência contra os corpos das mulheres, depende, antes de mais nada, da possibilidade de trazer-se à luz o caráter artificial dessas instituições. Daí a importância do reconhecimento, pelo Direito, de uma prática social nefasta como o feminicídio.”23.

Fato é que a morte violenta de mulheres – pela simples condição de serem mulheres – é um problema social sério. Na América Latina, em especial, esse fenômeno permanece sendo comum, demonstrando que a sociedade ainda está longe de extingui-lo, apesar de todos os esforços nesse sentido.

Como pontapé inicial para que discussões acerca da mentalidade patriarcal e sexista fossem abordadas sob a perspectiva penal – crimes de homicídio contra mulheres em razão do gênero –, podemos citar o contexto de assassinatos ocorridos na Ciudad Juárez, no México. É impossível falar sobre feminicídio sem citar este caso24.

Foi a primeira vez que um Tribunal Internacional reconheceu o termo femicídio (ou feminicídio), referindo-se a violações sistemáticas do direito à vida de mulheres por causa do seu gênero: a partir do “Caso González e outras” (“Campo Algodonero”) vs. México. O caso conecta a questão do feminicídio em Ciudad Juárez à presença massiva de “maquiladoras” na cidade, que fica imediatamente na fronteira com os Estados Unidos da América, ao lado de El Paso (Texas).25

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apresentou, conforme os artigos 51 e 61 da Convenção, uma demanda contra os Estados Unidos Mexicanos, que se relaciona com a responsabilidade internacional do Estado pela “desaparição e subsequente morte” das jovens Claudia Ivette González, Esmeralda Herrera Monreal e Laura Berenice Ramos Monárrez, cujos corpos foram encontrados em um campo de algodão em Ciudad Juárez, no dia 06 de novembro de 2001.26

No dia 29 de outubro de 2001, Esmeralda Herrera Monreal, de 15 anos, pobre, migrante interna, despareceu em Ciudad Juárez quando se deslocava de sua casa a uma casa que trabalhava como empregada doméstica. Em 07 de novembro, foi encontrada assassinada em um local chamado Campo Algodonero. A investigação do caso, tanto durante seu desparecimento quanto depois da sua morte, estava repleta de irregularidades e inconsistências, no contexto do fenômeno do femicídio no México, em que numerosos assassinatos e desaparecimentos de mulheres foram seguidos de impunidade, por razões imputáveis às autoridades.

Janaína Roland Matida, curadora do podcast “Improvável”27, abordou o caso no Episódio nº 43, em conjunto com a defensora pública do Estado do Rio de Janeiro, Renata Tavares. Na ocasião, ambas apontaram o caso do “Campo Algodonero” como extremamente importante na discussão do papel de gênero no contexto social, ressaltada a incumbência de atuação da polícia mexicana, que não realizou investigação séria, independente e imparcial, em contrapartida ao seu dever legal.

Além do corpo de Esmeralda Herrera Monreal, diversos outros cadáveres foram encontrados naquele mesmo local. No referido episódio28, a apresentadora e a convidada relatam que outras mulheres foram encontradas no campo de algodão mutiladas, semidesnudas, mas não se pode concluir efetivamente acerca da ocorrência de violação sexual em razão da avançada decomposição dos corpos, decorrida a demora da atuação policial.

Entre outras irregularidades, foi identificado que, quando do desaparecimento de Esmeralda Herrera Monreal, a polícia não assumiu uma busca imediata, desconsiderando a palavra da família da vítima29. Diversas informações foram negadas, mandando-se, por exemplo, a mãe da vítima comprar o jornal para saber das notícias. Além disso, não se notificou sobre o encontro dos primeiros cadáveres no local e não havia informação sobre o resultado das evidências encontradas nem desprende do expediente onde ficaram resguardadas.

De igual modo, o corpo da menor, com só oito dias de desaparecida, não tinha rosto nem cabelos e as autoridade judiciais justificaram esse fato na existência de animais, vento e terra na região. Contudo, o resto do seu corpo estava desnudo e intacto. Não foram entregues quaisquer documentos de autópsia aos familiares e não lhes foi permitida presença quando se passou o corpo ao caixão. Os resultados dos exames de DNA, apesar de haverem tomado amostras de sangue e cabelo da mãe e do pai de Esmeralda, também não foram apresentados aos familiares.30

Ademais, o Estado tentou convencer as famílias de que os autores dos crimes estavam presos, mas os supostos assassinos alegaram que suas confissões foram obtidas mediante tortura. Por fim, ao entregarem o corpo da menor, o assunto foi encerrado e os parentes foram vítimas de maus-tratos e intimidação por parte das autoridades locais.31

De tudo isso, observa-se que a omissão e a negligência do Estado resultaram na perda de uma chance probatória, haja vista que a incerteza acerca dos fatos, que se tornaram irreparáveis, passou a se configurar, pois as devidas providências não foram adotadas naquela ocasião de investigação.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por meio do Relatório nº 28/07, decidiu acumular os casos de Claudia Ivette González, Esmeralda Herrera Monreal e Laura Berenice Ramos Monárrez. O caso foi levado à Corte Interamericana (IDH) em razão da denegação da justiça em relação ao desaparecimento e mortes das referidas vítimas; falta de políticas públicas para prevenção de casos similares; ausência de resposta das autoridades frente aos desaparecimentos e de devida diligência na investigação; além da falta de reparação adequada em favor de seus familiares.32 33

A condenação do Estado mexicano pela Corte ocorreu, tendo sido o país demandado a executar uma série de obrigações permanentes. A título de ilustração, é possível citar, dentre outras determinações: (i) medida de reabilitação de proporcionar auxílio médico, psicológico ou psiquiátrico gratuito aos familiares das vítimas, caso desejassem; (ii) condução eficaz do processo penal em curso e os que chegassem a ser abertos, para identificar, processar e, sendo o caso, sancionar os responsáveis materiais ou intelectuais pelo desaparecimento, maus-tratos e privação da vida das jovens; (iii) investigação dos funcionários acusados de irregularidades e, logo que houvesse o devido processo, aplicação das sanções administrativas, disciplinares ou penais correspondentes àqueles que fossem considerados responsáveis; e (iv) criação de base de dados com informações de meninas e mulheres desaparecidas.34 35

Importante frisar, ainda, que a CIDH destacou que o Estado teria responsabilidade por não ter operado não apenas na repressão e punição desses crimes, bem como na prevenção a partir de políticas de respeito às mulheres, destacando que, na hipótese, os crimes estariam relacionados à questão de gênero, cujo resultado espelha o feminicídio.

Em razão desse caso, órgãos internacionais de monitoramento passaram a observar a temática com outros olhos, especialmente em relação à importância de uma investigação com perspectiva de gênero. A palavra da vítima – mulher – ocupa especial destaque no campo da prova, especialmente nos crimes sexuais e nas tentativas de feminicídio. Aqui, não se quer defender a existência de presunção de veracidade, mas é indispensável que haja tal cuidado a fim de evitar que a palavra da mulher seja considerada como falsa ainda no início da investigação e diversas diligências imprescindíveis ao deslinde do caso não sejam executadas.

Conforme citado, a situação do México é uma amostra da grave ausência de punição e da crise do sistema de justiça. No Brasil, o cenário não é diferente, de modo que é necessário refletir acerca dos mecanismos para atenuar o contexto sempre violento do Direito Penal com as mulheres.

Sem dúvida, o símbolo da violência doméstica contra a mulher no Brasil é o conhecido “Caso Maria da Penha Maia Fernandes”, ocorrido no ano de 1983. Maria da Penha é uma mulher que foi vítima de duas tentativas de homicídio cometidas pelo seu então companheiro, em sua própria casa, na cidade de Fortaleza, Ceará. Na ocasião, tiros foram disparados contra ela enquanto dormia, houve tentativa de eletrocutá-la e as agressões sofridas ao longo da sua relação matrimonial culminaram por deixá-la paraplégica aos trinta e oito anos.36

Em razão da morosidade da justiça nacional e frente à impunidade diante da violência doméstica contra as mulheres no Brasil, o referido caso foi apresentado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), por meio de petição conjunta das entidades CEJIL-Brasil (Centro para Justiça e o Direito Internacional) e CLADEM-Brasil (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher. Em 1998, a OEA recebeu denúncia apresentada por Maria da Penha e pelos mencionados institutos, baseada na competência que lhe conferem os artigos 44 e 46 da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos37 e o artigo 12 da Convenção de Belém do Pará38.

Em resumo, a Comissão concluiu que as decisões judiciais internas brasileiras apresentaram ineficácia, negligência ou omissão por parte das autoridades e uma demora injustificada no julgamento de um acusado, pondo em risco definitivo a possibilidade de puni-lo e indenizar a vítima pela possível prescrição do delito. Desse modo, restou demonstrado que o Estado não foi capaz de organizar sua estrutura para garantir esses mínimos direitos.39

Fato é que o “Caso Maria da Penha Maia Fernandes” foi substancialmente importante para discussão da violência contra a mulher, cujo resultado consiste em um rompimento da invisibilidade que acobertava esse padrão, assim como por ter sido o primeiro caso de aplicação da Convenção Belém do Pará:

“A utilização deste instrumento internacional de proteção aos direitos humanos das mulheres e o seguimento das peticionárias perante a Comissão, sobre o cumprimento da decisão pelo Estado brasileiro, foram decisivos para que o processo fosse concluído no âmbito nacional e, posteriormente, para que o agressor fosse preso, em outubro de 2002, quase 20 anos após o crime, poucos meses antes da prescrição da pena.”40.

Em consequência, após longas discussões e estudos, em 07 de agosto de 2006 foi promulgada a Lei nº 11.340, também conhecida como Lei Maria da Penha, pioneira na criação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, estabelecendo medidas de prevenção, assistência e proteção às mulheres inseridas nesse contexto. Trata-se, portanto, de “um exemplo de implementação para tutela do gênero feminino, justifica-se pela situação e vulnerabilidade e hipossuficiência em que se encontram as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar”41.

Nesse contexto, tem-se que a Lei Maria da Penha também foi um importante avanço para que crimes cometidos em desfavor de mulheres, em âmbito doméstico e familiar, passassem a ser vistos com merecido olhar. No entanto, para além desse contexto, impende destacar que nem todos os casos de violência contra a mulher se situam no âmbito das relações interpessoais, motivo pelo qual, no Brasil, a preocupação passou a ser mais ampla, ainda que tardiamente. Ao nosso ver, é a partir dessa análise que surgem reflexões sobre casos em que mulheres são comumente mortas em razão da perspectiva de gênero, ou seja, por serem mulheres.

Sobre o tema, Eugênia Nogueira do Rêgo Monteiro Vila é didática:

“Há porém, categorias teóricas, jurídicas e operacionais aplicáveis aos feminicídios resultantes de relações íntimas e não íntimas, tendo por motivação, em ambos os casos, a ‘condição de ser mulher’. O termo remete a categorias pautadas em relações de poder que se estabelecem socialmente e molduram seres humanos, no caso mulheres, em estruturas verticais e horizontais de vidas e tornam consumíveis seus corpos.”42.

A autora aponta ainda que a expressão feminicídio possui registro em obra do século XIX, de John Corry43, ao narrar o assassinato de uma mulher. No Brasil, os homicídios praticados contra mulheres por razões de gênero – com essa específica percepção – vieram a ocupar agenda política específica apenas nos últimos cinco anos, diante do crescimento dos dados nesse sentido.

Nesse contexto, a inserção da qualificadora feminicídio no Código Penal brasileiro ocorreu em março de 2015, por meio da Lei nº 13.104, representando dispositivo jurídico que deu visibilidade normativa ao assassinato de mulheres na perspectiva de gênero e proporcionou difusas ações envolvendo os três poderes do Estado.44 A aplicação da qualificadora eleva a pena mínima do crime de homicídio de seis para doze anos, e a máxima, de vinte para trinta.

Ademais, a mencionada legislação acrescentou o parágrafo 7º, especificando as causas de aumento da pena do feminicídio de um terço até a metade, se cometido: I – durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto; II – contra pessoa menor de catorze anos, maior de sessenta anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

Trata-se, portanto, do resultado de um movimento político-criminal por maior punição a esta conduta, em que pese alguns entendimentos no sentido de que a lei resulta em uma manifestação simbólica do direito penal sem que produza medidas efetivas para o cometimento de infrações, o que poderá ser visto a seguir.

3 DISCUSSÕES ACERCA DA LEI Nº 13.104/2015 E O POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O primeiro aspecto que importa ser mencionado diz respeito ao Projeto de Lei nº 292/2013 apresentado ao Senado Federal, cuja justificação abarcava a seguinte definição do feminicídio: “assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres” ou “assassinato relacionado a gênero que se refere a um crime de ódio contra as mulheres justificado socioculturalmente por uma história de dominação da mulher pelo homem e estimulada pela impunidade e indiferença da sociedade e do Estado”45.

Todavia, a Câmara dos Deputados, ao aprovar o referido projeto de lei e incluir o feminicídio na categoria de qualificadora, alterou substancialmente a sua definição: houve a troca da expressão razões de gênero por razões da condição do sexo feminino.46

Rogério Greco47 faz uma importante consideração acerca da referida inovação legislativa, especificamente no que se refere à caracterização do delito; observa que não é pelo fato de uma mulher figurar como sujeito passivo do delito tipificado no artigo 121 do Código Penal que já estará caracterizada a qualificadora do crime, ou seja, o feminicídio.

Portanto, para que reste configurada, nos termos do §2º-A do artigo 121 do diploma repressivo, o crime deverá ser praticado por razões de condição de sexo feminino o que efetivamente ocorrerá quando envolver: I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Além disso, “a expressão ‘por razões da condição de sexo feminino’ eliminou várias identidades de gênero perante essa figura típica.”48. Isso nos leva a tecer uma analogia com o entendimento contido no tópico anterior: o pensamento pautado no patriarcalismo permanece, uma vez que a condição de “sexo feminino” limita a identidade como algo biológico.

Nesse sentido, correntes doutrinárias sustentam que o ideal seria a manutenção da previsão legal à origem, bem como a definição atrelada ao gênero, abarcando, inclusive, travestis, transexuais e transgêneros. Acerca dessa posição, Gamil Föppel El Hireche e Rudá Santos Figueiredo se posicionam:

“(…) Um primeiro registro, além da corruptela pelo cacófato no tipo penal, é da questionável constitucionalidade, por direta violação ao princípio da taxatividade, desdobramento lógico do princípio da legalidade. De nada adianta haver legalidade se os tipos penais puderem ser permeados de elementos abertos ou normativos. A legalidade somente cumpre a sua garantia quando acompanhada da indissociável taxatividade. A novel legislação transforma a mulher em uma elementar objetiva do novo delito qualificado, resultando em tipificação de duvidosa constitucionalidade. Isso porque, efetivamente, trata-se de disposição que viola frontalmente os princípios da igualdade, da legalidade e da lesividade.”49.

Sobre a desigualdade de gênero, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou, apesar de ter sido no contexto de discussão da constitucionalidade da Lei Maria da Penha. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.424, os ministros entenderam que a atuação do Estado na batalha à violência de gênero está fundamentada em diversos dispositivos jurídicos. Veja-se:

“(…) No caso presente, não bastasse a situação de notória desigualdade considerada a mulher, aspecto suficiente a legitimar o necessário tratamento normativo desigual, tem-se como base para assim se proceder a dignidade da pessoa humana – artigo 1º, inciso III –, o direito fundamental de igualdade – artigo 5º, inciso I – e a previsão pedagógica segundo a qual a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais – artigo 5º, inciso XLI.

A legislação ordinária protetiva está em fina sintonia com a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, no que revela a exigência de os Estados adotarem medidas especiais destinadas a acelerar o processo de construção de um ambiente onde haja real igualdade entre os gêneros. Há também de se ressaltar a harmonia dos preceitos com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – a Convenção de Belém do Pará –, no que mostra ser a violência contra a mulher uma ofensa aos direitos humanos e a consequência de relações de poder historicamente desiguais entre os sexos. (…)”.

Não obstante, outro questionamento merece destaque: com a inclusão da qualificadora houve um expansionismo penal? De acordo com o entendimento de Adriana Ramos de Mello, a resposta é não. Isso porque, na sua opinião, “(…) o homicídio qualificado por motivo torpe, considerado jurisprudencialmente como abarcando o que passa a ser chamado feminicídio, já era, por ser qualificado, tanto sujeito à pena maior quanto crime hediondo não havendo, portanto, que se falar em expansionismo penal nesse caso.”50.

Lado outro, é importante se ter em mente que, no direito, para que algo seja considerado existente, deve haver previsão no ordenamento jurídico. Assim, não se pode negar a importância da inclusão da referida qualificadora no Código Penal, pois, para além da punição mais grave conferida ao crime, existe uma reflexão de cunho social.

Nesse contexto, é comum que a prática do crime de homicídio contra mulheres seja relacionada à passionalidade, ou seja, em decorrência do “calor da emoção”. No entanto, chama-se atenção para o fato de que, muitas vezes, o delito é praticado de forma premeditada, a partir de violências cotidianas e/ou percepções pessoais. Portanto, o feminicídio representa mais do que uma qualificadora, sendo também uma forma de proporcionar à vítima mulher confiança no Estado.51

Em outro giro, é cediço que as qualificadoras do delito de homicídio “são circunstâncias elementares, que se agregam ao preceito primário da norma incriminadora penal (matar alguém) […]. Podem estar conectadas à intensidade do dolo, o modo de ação, com a natureza dos meios empregados ou com o bem jurídico protegido”52.

Nessa linha, muito se discute sobre a possibilidade de cumular o feminicídio com outras qualificadoras, v.g., motivo fútil ou torpe. Filiamo-nos ao entendimento de que a qualificadora inserida pela Lei nº 13.104/2015 possui natureza objetiva, pois diz respeito ao gênero da vítima; não havendo impedimento legal de ser utilizada cumulativamente.

Ou seja, não há que se falar na ocorrência de bis in idem, notoriamente vedada em nosso ordenamento jurídico. Por outro lado, registra-se que a inocorrência de bis in idem dependerá da adequada tipificação pelo órgão acusatório do caso em concreto às figuras previstas no Código Penal53.

A esse respeito, cumpre salientar que até a finalização deste artigo, não houve julgamento acerca do tema por parte do Supremo Tribunal Federal, uma vez que as decisões proferidas não analisaram o mérito da causa54. Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o seu entendimento no sentido da possibilidade de coexistência entre as qualificadoras do feminicídio e do motivo torpe, por não possuírem a mesma natureza55.

Além disso, impende trazer à baila que, assim como ocorreu quando da edição da Lei Maria da Penha, a Lei nº 13.104/2015 também levantou discussão acerca de uma suposta ofensa ao princípio da isonomia. Por mais que referida questão esteja superada, não podemos deixar de registrar que qualquer alegação nesse sentido é leviana, pois a proteção à vida da mulher significa “acertar, na diferença de cuidado jurídico, a igualação do direito à dignidade na vida”56.

É cediço que o princípio da isonomia significa “[d]ar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.”57. Ainda que a Corte Constitucional não tenha se manifestado especificamente acerca da Lei do Feminicídio, tudo leva a crer que será observada a mesma linha de raciocínio empregada no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1958, em que o Tribunal Pleno, por unanimidade, julgou procedente a ação a fim de declarar constitucional a redação dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei Maria da Penha, nos termos do voto do Relator, o Ministro Marco Aurélio.59

Naquele julgamento, acerca do princípio da proibição de proteção insuficiente de direitos fundamentais, o Ministro Relator consignou que a “abstenção do Estado na promoção da igualdade de gêneros e a omissão no cumprimento, em maior ou menor extensão, de finalidade imposta pelo Diploma Maior implicam situação da maior gravidade político-jurídica, pois deixou claro o constituinte originário que, mediante inércia, pode o Estado brasileiro também contrariar o Diploma Maior.”60

Cabe ainda trazer um dos argumentos utilizados pela Ministra Rosa Weber em seu voto, no qual é destacado que o princípio da igualdade deve ser analisado sob a perspectiva material, uma vez que sob a ótica formal, qualquer iniciativa ou ação afirmativa de reparo social seriam inviáveis. E conclui, que “não teríamos os sistemas de proteção dos direitos do consumidor e dos direitos do trabalhador, ambos informados pela hipossuficiência do ocupante de um dos polos da relação jurídica e, por isso mesmo, pela vulnerabilidade.”.61

Verifica-se, portanto, que o Supremo Tribunal Federal contempla em sua ótica constitucional a necessidade de garantir proteção à mulher, de modo a reafirmar a Lei Maria da Penha e, via de consequência, a Lei do Feminicídio.

4. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: HC 178.777/MG e ADPF 779 MC-Ref/DF.

Aqui, busca-se analisar e comparar as decisões proferidas pela Primeira Turma e pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal nos julgamentos do Habeas Corpus 178.777/MG62 e da medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 779 MC-Ref/DF63, respectivamente.

O Habeas Corpus 178.77764 foi impetrado contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça que manteve decisão da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça Minas Gerais, a qual, por sua vez, dera provimento à apelação do Ministério Público para determinar a realização de novo Júri. Concluiu aquele Tribunal de Justiça, em relação à decisão absolutória, tratar-se de decisão contrária às provas do processo, eis que, não obstante o reconhecimento da materialidade e autoria, o réu foi absolvido pelo Conselho de Sentença. No caso, o então réu confessara a tentativa de homicídio triplamente qualificado de sua companheira sob a alegação de suposta traição por parte da vítima. O título condenatório transitou em julgado perante o Superior Tribunal de Justiça, daí a impetração junto ao Supremo Tribunal Federal.

O Habeas foi julgado, em 29/09/2020, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio e, por maioria, foi deferida a ordem para restabelecer a decisão absolutória. Ficaram vencidos os Ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.

O eixo central da decisão reside no inciso XXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, que reconhece a instituição do Júri e lhe assegura a soberania dos veredictos. O voto condutor do Ministro Marco Aurélio, de clareza e objetividade indiscutíveis, asseverou que “os jurados reconheceram a materialidade e a autoria do crime. Na sequência, questionados se absolviam o acusado – a teor do artigo 483, § 2º, do Código de Processo Penal –, responderam afirmativamente. O quesito versado no dispositivo tem natureza genérica, não estando vinculado à prova. Decorre da essência do Júri, segundo a qual o jurado pode absolver o réu com base na livre convicção e independentemente das teses veiculadas, considerados elementos não jurídicos e extraprocessuais. A pergunta, conforme se depreende do preceito legal, há de ser formulada obrigatoriamente, no que a resposta afirmativa não implica nulidade da decisão, independentemente dos argumentos suscitados, em Plenário, pela defesa.”.65

Nota-se nos votos vencidos que a análise da tese referente à soberania da decisão absolutória do Júri, diante da comprovação de autoria e materialidade, não conseguiu se distanciar do caso concreto: uma tentativa de homicídio qualificado, por motivo fútil, mediante emboscada da vítima, em razão de sua condição de mulher. Um feminicídio que fora confessado pelo paciente.

Embora bastante louváveis os votos vencidos dos Ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso no que diz respeito à preocupação de modificação desse cenário tão preocupante e desigual de violência contra a mulher, não nos parece que o caminho a ser trilhado seja exatamente esse. Primeiro porque o arcabouço constitucional do Tribunal do Júri – gostemos ou não da instituição – encontra-se fortemente delineado na Constituição Federal, art. 5º, inc. XXXVIII, alínea “c”, de maneira assegurar a soberania das suas decisões. Segundo porque exatamente em razão dessa soberania, não nos parece juridicamente viável que o Ministério Público possa recorrer de uma decisão do Júri baseada em quesito absolutório genérico, qual seja, o art. 483, III, c/c § 2º, do Código de Processo Penal, que possibilita ao jurado, por livre convicção e independentemente de teses defensivas, absolver o réu. E terceiro, porque precisamos ter em foco que os crimes de competência do Júri não se restringem aos casos de feminicídio.

O tema é complexo e poderíamos discorrer sobre outras ponderações não menos relevantes, tanto assim que será objeto de nova discussão perante o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE 1.225.185-RG/MG, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, cuja repercussão geral foi reconhecida.66 Entretanto, há um aspecto central que nos parece merecer especial atenção: o fato de um corpo de jurados, mesmo diante da confissão do réu, absolvê-lo da prática de um feminicídio. Isso nos remete à necessidade premente de interferirmos na sociedade por meio de políticas públicas efetivas de maneira a assegurarmos verdadeiramente o direito a igualdade de gênero. Não apenas na lei ou perante o Poder Judiciário, mas em casa, na escola, no trabalho, no setor público e na iniciativa privada. A igualdade de gênero precisa ser ensinada, cultivada e exaltada.

Soou como um questionamento ao julgamento do Habeas Corpus 178.777, realizado em 29/09/2020, o ajuizamento, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) em 06/01/2021, da ADPF 779, distribuída ao Ministro Dias Toffoli. A ação foi proposta objetivando conferir aos artigos 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, ambos do Código Penal, e ao artigo 483, inciso III, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal, interpretação conforme a Constituição Federal; em suma, para reconhecer a inconstitucionalidade da tese de “legítima defesa da honra” sustentada nos Tribunais do Júri, por ser contraria aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.

O Ministro relator Dias Toffoli concedeu parcialmente a liminar requerida, decisão essa que foi referendada pelo Pleno da Corte Constitucional, nos seguintes limites:

(i) firmar o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da CF); (ii) conferir interpretação conforme à Constituição aos arts. 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e ao art. 65 do Código de Processo Penal, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa e, por consequência, (iii) obstar à defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo que utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.67

Na análise do pleito liminar68, o Ministro relator observou que a controvérsia da arguição residia na aferição da legitimidade constitucional da tese da “legítima defesa da honra”, utilizada para suscitar excludente de ilicitude da legítima defesa em casos de feminicídio ou violência contra a mulher, ensejando, muitas vezes, uma decisão absolutória lastreada nesse fundamento. Mais, apontou que a ação versa especialmente sobre a hipótese de feminicida absolvido com base nessa tese de defesa, nos termos do art. 483, III, §2º, do Código de Processo Penal, que contempla a absolvição genérica amparada no princípio da soberania dos veredictos do Júri.

No caso, o direito à plenitude de defesa, invocado usualmente para lastrear a tese de “legítima defesa da honra”, “teria a função ultrajante de salvaguardar a prática ilícita do feminicídio ou de qualquer outra forma de violência contra a mulher, o que é inaceitável em um país em que a vida é considerada o bem jurídico mais valioso do Direito, por opção inequívoca da Constituição de 1988.” Nessa linha de raciocínio, a decisão liminar consagra a “prevalência da dignidade da pessoa humana, da vedação a todas as formas de discriminação, do direito à igualdade e do direito à vida sobre a plenitude de defesa, tendo em vista os riscos elevados e sistêmicos decorrentes da naturalização, da tolerância e do incentivo à cultura da violência doméstica e do feminicídio.” Isto porque, conforme precedente do Ministro Celso de Mello69, não há garantias individuais absolutas, diante da própria restrição decorrente da convivência das liberdades.

Luciano Anderson de Souza70 assevera que a legítima defesa da honra somente encontrou registro nas Ordenações Filipinas71 que, além de aviltar profundamente a dignidade humana das mulheres, apresentava contornos de profunda distinção socioeconômica em relação àqueles que dela pudessem se beneficiar.

A legítima defesa da honra foi uma construção jurisprudencial inserida em um contexto social permissivo de violência contra a mulher, em que a “dignidade machista do homem” serviu de valor moral de grandeza tal que, quando afrontado, poderia justificar a morte da “ofensora”, no caso a mulher. Elevou-se essa “honra machista” ao patamar de bem jurídico protegido pelo Direito em contraposição à vida da mulher, como se ambos pudessem ser colocados no mesmo patamar de importância. Pior, como se a “honra machista” pudesse se sobrepor à vida da mulher.

Parece-nos, desde logo, que a contraposição entre a exclusão do suposto direito à legítima defesa da honra e o direito à ampla defesa não podem ser sequer objeto de ponderação entre direitos. Simplesmente porque o primeiro não é um bem jurídico tutelado na dimensão pretendida. De qualquer forma, ainda que por mero exercício argumentativo, da mesma maneira que a sociedade não é estática, o direito também não o é. E ainda que a defesa da honra pudesse ser considerada como um legítimo direito passível de integrar o espectro do amplo direito de defesa, a sua ponderação frente a dignidade da pessoa humana, a vedação a todas as formas de discriminação, ao direito à igualdade e do direito à vida, não levaria a conclusão objetiva diversa.

A “legítima defesa da honra” é nefasta, anacrônica e representa uma afronta aos princípios elencados no bojo da petição inicial da ADPF 779 MC-Ref/DF, ainda que inserida no direito à ampla defesa. No entanto, simplesmente vedar a sua utilização como tese de defesa não implica necessariamente em maior proteção à vida da mulher, tampouco que feminicidas não venham a ser posteriormente absolvidos pelo Conselho de Sentença através do voto de clemência. Neste ponto, há necessidade de o Supremo Tribunal Federal, na hipótese de procedência da ADPF MC-Ref/DF, delimitar com clareza a impropriedade da tese ab initio da marcha processual, evitando-se condições para a interposição de sucessivos recursos.

Em outras palavras, a vedação de utilização da aviltante tese de “legítima defesa da honra” não impede que um corpo de jurados, em uma sociedade estruturalmente machista, prossiga conferindo impunidade aos casos de feminicídios. Isto porque, ao nosso sentir, na ausência de precisa delimitação da proibição do uso da tese pelo Supremo Tribunal Federal, o problema remanescerá diante da impossibilidade de se avaliar a motivação utilizada pelo jurado, nos termos do art. 483, III, c/c § 2º, do Código de Processo Penal.

5. CONCLUSÃO

A questão do feminicídio e outros tipos de violência contra a mulher como uma realidade mundial, existente há longos anos, tem reflexos graves, especialmente no Brasil.

Para que importantes direitos fossem conquistados pelas mulheres, seja na esfera social ou no aspecto jurídico, ainda que lentamente, se necessitou que muitas fossem violentadas e mortas, como visto nos casos do “Campo Algodonero” no México e de “Maria da Penha” no Brasil.

Diante desse trágico cenário, órgãos internacionais e nacionais se mobilizaram no sentido de oferecer proteção às mulheres. No aspecto mundial, exemplos disso são a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e a Convenção de Belém do Pará. No Brasil, o surgimento da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e da Lei nº 13.104/2015 (feminicídio) representam consideráveis avanços em relação à garantia dos direitos das mulheres.

Como vimos, após a inclusão do feminicídio no Código Penal, diversas questões tangenciais relativas à matéria penal e processual penal foram levantadas nos tribunais superiores, especialmente perante o Supremo Tribunal Federal. Nessa senda, foram notados: o dilema entre “gênero x sexo feminino”, em razão do texto da qualificadora ter adotado esta última opção; a reflexão sobre a (in)existência de expansionismo penal; o afastamento do bis in idem no que abrange à cumulação de qualificadoras contidas no artigo 121 do Código Penal, especialmente “motivo torpe” e “feminicídio”; a importância do princípio da isonomia.

Ademais, tanto no julgamento do HC 178.777/MG72, como na decisão proferida na ADPF 779 MC-Ref/DF73, restou evidente a importância acerca do debate sobre questões atinentes à morte de mulheres, como a reprimenda penal justa e na medida certa, além de aspectos processuais.

Em que pese a importância de se reconhecer que a tese de “legítima defesa da honra” impacta a sociedade enquanto uma alegação defensiva, não é possível garantir que a solução a ser adotada pelo Supremo Tribunal Federal para impedir a sua utilização venha a ser efetiva, especialmente diante da possibilidade de a “legítima defesa da honra” adotar roupagem diversa e permanecer na esfera de absolvição genérica do art. 483, III, c/c § 2º, do Código de Processo Penal, que possibilita ao jurado, por livre convicção e independentemente de teses defensivas, absolver o réu.

De um modo geral, o contexto posto ressalta a fragilidade do Tribunal do Júri e impõe a necessidade de reflexão sobre quais modificações institucionais o Conselho de Sentença precisa sofrer, considerando, inclusive, a íntima convicção intacta aos preconceitos de uma sociedade patriarcal.

Trazendo como base a própria Constituição Federal, especialmente os incisos XXXV, XXXVII, LIII, LIV e LV do artigo 5º, nosso entendimento se concretiza na seguinte premissa: todo cidadão tem direito a um julgamento justo, seja por juiz togado ou pelo Tribunal do Júri, independentemente do crime praticado. Necessário considerar, entretanto, que em uma estrutura social machista, homofóbica e racista, imbuída de preconceitos, não deveria o instituto do Tribunal do Júri ser utilizado como mecanismo chancelador da prática de crimes graves, a exemplo do homicídio qualificado em razão de gênero, em toda a sua amplitude.

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1. MELLO, Adriana Ramos de. Feminicídio: uma análise sociojurídica da violência contra a mulher no Brasil. 3. Ed. Rio de Janeiro: GZ, 2020, capa.

2. “Feminicídio mata 12 mulheres por dia na América Latina; região tem 14 dos 25 países com os mais altos índices assassinatos de mulheres no mundo; 98% dos homicídios relacionados ao gênero não chegam à justiça.”. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU NEWS. ONU: “nenhuma mulher deve morrer por ser mulher”. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2018/09/1640152>. Acesso em: 12 abr. 2021.

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4. ROXIN, C. Derecho Penal. P. G., I, p. 56 apud PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p.33.

5. NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 531.

6. Supremo Tribunal Federal, HC 178.777/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 29/09/2020, DJe 14/12/2020.

7. Supremo Tribunal Federal, ADPF 779 MC-Ref/DF, Rel. Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgamento virtual de 05 a 12/03/2021, DJe 22/03/2021.

8. MENDES, Soraia da Rosa. Criminologia feminista: novos paradigmas. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 88 apud BRAVO, Renata. Feminicídio: tipificação, poder e discurso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 20.

9. BRAVO, Renata. Feminicídio: tipificação, poder e discurso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 23.

10. BRAVO, Renata. Ob. cit, p. 18.

11. BRAVO, Renata. Feminicídio: tipificação, poder e discurso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 51.

12. BRAVO, Renata. Op. cit, p. 53-54.

13. SLEDZIEWSKI, Élisabeth G., Revolução Francesa. A viragem. In: FRAISSE, Geneviéve e PERROT, Michelle. História das Mulheres. O Século XIX. Tradução: Gonçalves, Claudia e Gonçalves Egito. Porto: Afrontamento, 1991, p.53. A historiadora Élisabeth Sledziewski é cortante em sua fala: “Ao feminizar explicitamente, de uma maneira quase obsessiva, a Declaração de 1789, Olympe de Gouges põe em cheque a política do macho e desmascara as exclusões implícitas e as ambiguidades devastadoras de um universalismo acima de toda a suspeita. <<A chama da verdade dissipou todas as nuvens da estupidez e da usurpação>>, exclama a poetisa medíocre mas verdadeira mulher das Luzes. Doravante já não é permitido deixar-se enganar. Mas só a vigilância política das mulheres pode impedir os homens de confiscar a Revolução. Compete às mulheres desvendar o sentido libertador dessa Revolução”.

14. BRAVO, Renata. Op. cit, pp. 51-52.

15. SLEDZIEWSKI, Élisabeth G., Op. cit, p. 54.

16. PORTAL GELEDÉS. Olympe de Gouges, a pioneira do feminismo que foi parar na guilhotina. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/pioneira-do-feminismo-que-foi-parar-na-guilhotina/#:~:text=Antes%20de%20ser%20executada%2C%20Olympe,de%20maior%20reconhecimento%20na%20Fran%C3%A7a>. Acesso em: 06 de abril de 2021.

17. BRAVO, Renata. Op. cit, pp. 52-53.

18. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU NEWS. As “mulheres essenciais” na criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2018/12/1651161#:~:text=Eleanor%20Roosevelt%2C%20ex%2Dprimeira%2D,a%20aprova%C3%A7%C3%A3o%20da%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20Universal>. Acesso em: 06 de abril de 2021.

19. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU NEWS. As “mulheres essenciais” na criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2018/12/1651161#:~:text=Eleanor%20Roosevelt%2C%20ex%2Dprimeira%2D,a%20aprova%C3%A7%C3%A3o%20da%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20Universal>. Acesso em: 06 de abril de 2021.

20. SENADO FEDERAL. Bertha Lutz. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/bertha-lutz>. Acesso em: 06 de abril de 2021.

21 Exemplos disso: I Conferência Mundial da Mulher, no México, em 1975; adoção, pela Organização das Nações Unidas (ONU), da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra à Mulher (CEDAW, em inglês), em 1979, promulgada pelo Brasil no ano de 1984; Declaração e Programa de Ação de Viena, em 1993; Declaração sobre a eliminação da violência contra as mulheres, proclamada pela Assembleia Geral da ONU, em 1993; Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, adotada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1995; Convenção de Belém do Pará, ratificada pelo Brasil em 1995; Declaração do Milênio pela ONU, em 2000.

22. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA; PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Plataforma Agenda 2030. Disponível em: <http://www.agenda2030.com.br/>. Acesso em: 28 mar. 2021.

23. MELLO, Adriana Ramos de. Feminicídio: uma análise sociojurídica da violência contra a mulher no Brasil. 3. Ed. Rio de Janeiro: GZ, 2020, p. 02.

24. O livro “Feminicidio: el asesinato de mujeres por ser mujeres”, de Graciela Atencio, foi escrito em homenagem às vítimas de feminicídio na Ciudad Juárez: “En memoria de las niñas y mujeres, víctimas del feminicidio em Ciudad Juárez.” (ATENCIO, Graciela. Feminicidio: el asesinato de mujeres por ser mujeres. Madrid: Catarata, 2015.).

25. MELLO, Adriana Ramos de. Op. cit, p. 52.

26. Idem, p. 51.

27. IMPROVÁVEL. Ep. 43:O caso do “Campo Algodonero”. Locução de: Janaína Matida. Spotify, dez. 2020. Podcast. Disponível em: <https://open.spotify.com/episode/4Mt5AB65vUoO1okB04YEH8>. Acesso em: 28 mar. 2021.

28. Idem.

29. Janaína Roland Matida cita o fenômeno da “revitimização”, também chamado de vitimização secundária, aplicado aos familiares que sofreram novamente a dor da falta de notícias ao buscarem socorro do Estado. Para ela, uma das formas de revitimização é o próprio processo penal. (IMPROVÁVEL. Ep. 43:O caso do “Campo Algodonero”. Locução de: Janaína Matida. Spotify, dez. 2020. Podcast. Disponível em: <https://open.spotify.com/episode/4Mt5AB65vUoO1okB04YEH8>. Acesso em: 28 mar. 2021).

30. MELLO, Adriana Ramos de. Ob. cit, p. 51.

31. Idem.

32. Ibidem, p. 53.

33. CIDH. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Corte Interamericana De Derechos Humanos Caso González Y Otras (“Campo Algodonero”) Vs. México. Sentença de 16 de novembro de 2009. Disponível em: <https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_205_por.pdf>. Acesso em: 11 abr. 21.

34. MELLO, Adriana Ramos de. Op. cit, p. 53/54.

35. CIDH. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Corte Interamericana De Derechos Humanos Caso González Y Otras (“Campo Algodonero”) Vs. México. Sentença de 16 de novembro de 2009. Disponível em: <https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_205_por.pdf>. Acesso em: 11 abr. 21.

36. MELLO, Adriana Ramos de. Op. cit, p. 58.

37. COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm>. Acesso em: 29 mar. 2021.

38. COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, “Convenção De Belém Do Pará”. Disponível em: <http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/m.Belem.do.Para.htm>. Acesso em: 29 mar. 2021.

39. MELLO, Adriana Ramos de. Ob. cit, p. 60.

40. Idem, p. 62.

41. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 92.875/RS, Relatora convocada Jane Silva, Sexta Turma, julgado em 30/10/2008.

42. VILLA, Eugênia Nogueira do Rêgo Monteiro. Circuito do feminicídio: o silêncio murado do assassinato de mulheres. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020, p. 35.

43. CORRY, John. A Satirical Viwe of London. London: Printed for R. Dutton, 1809. Disponível em: <https://archive.org/details/asatiricalviewl01corroog/page/n12>. Acesso em: 8 jan. 2020 apud VILLA, Eugênia Nogueira do Rêgo Monteiro. Circuito do feminicídio: o silêncio murado do assassinato de mulheres. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020, p. 25.

44. VILLA, Eugênia Nogueira do Rêgo Monteiro. Op. cit, p. 27.

45. SOUZA, Luciano Anderson de (coordenador); vários autores. Código penal comentado. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 458.

46. Idem.

47. GRECO, Rogério. Código penal comentado. Niterói: Impetus, 2020, p. 322.

48. SOUZA, Luciano Anderson de (coordenador); vários autores. Ob. cit, p. 458.

49. HIRECHE, Gamil Föppel El; FIGUEIREDO, Rudá Santos. Feminicídio é medida simbólica com várias inconstitucionalidades. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-mar-23/feminicidio-medida-simbolica-varias-inconstitucionalidades>. Acesso em: 30 mar. 2021.

50. MELLO, Adriana Ramos de. Ob. cit, p. 233.

51. Idem, p. 4.

52. GARCETE. Carlos Alberto. Homicídio: aspectos penais, tribunal do júri e feminicídio. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 91.

53. Nesse sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg HC 440.945/MG, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. 05/06/2018, p. 11/06/2018.

54. Nesse sentido: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC 161302/MG, Rel. Ministro Luís Roberto Barroso, decisão monocrática, j. 02/10/2018; HC 126.516/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, j. 26/05/2015; RE 1.151.076/RS, Rel. Ministra Cármen Lúcia, decisão monocrática, j. 13.12.2018.

55. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 430.222/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 15/03/2018, p. 22/03/2018.

56 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O Princípio Constitucional da Igualdade. Belo Horizonte: Editora Lê, 1990, p. 75.

57. NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 286.

58. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADC 19/DF. Rel. Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 09/02/2012, p. 29/04/2014.

59. GRECO, Rogério. Código Penal comentado. Niterói: Impetus. 2020, p. 337-388.

60. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADC 19/DF. Rel. Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 09/02/2012, p. 29/04/2014. Voto do Ministro Relator Marco Aurélio, p. 5.

61. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADC 19/DF. Rel. Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 09/02/2012, p. 29/04/2014. Voto da Ministra Rosa Weber, p. 8.

62. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 178.777/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 29/09/2020, p. 14/12/2020.

63. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 779 MC-Ref/DF, Rel. Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgamento virtual de 05 a 12/03/2021, p. 22/03/2021.

64. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 178.777/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 29/09/2020, p. 14/12/2020.

65. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 178.777/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 29/09/2020, p. 14/12/2020.

66. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 1225185 RG, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 07/05/2020, p. 22/06/2020.

67. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Extrato da liminar proferida em sessão virtual da ADPF 779 MC-Ref/DF. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6081690>. Acesso em: 11 abr. 21.

68. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 779 MC-Ref/DF, Rel. Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgamento virtual de 05 a 12/03/2021, p. 22/03/2021.

69. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 70814, Rel. Ministro Celso de Mello, Primeira Turma, j. 01/03/1994, p. 24/06/1994.

70. SOUZA, Luciano Anderson. Direito Penal. Volume 1. Parte Geral. São Paulo: Thomson Reuters, 2021, p 349-350.

71. “Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar a ela e ao adúltero, salvo se o marido for peão e o adúltero fidalgo, ou nosso desembargador, ou pessoa de maior qualidade.”. (PORTUGAL. Ordenações Filipinas. Livro V, Título XXXVIII. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242733/>. Acesso em: 11 abr. 21.)

72. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 178.777/MG, Rel. Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 29/09/2020, p. 14/12/2020.

73. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 779 MC-Ref/DF, Rel. Ministro Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgamento virtual de 05 a 12/03/2021, p. 22/03/2021.

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