Por Cecilia Mello e Maria Amélia Campos Ferreira

Artigo publicado originalmente na Revista Direito e Medicina, Volume VII – setembro/dezembro de 2020.

Resumo

O presente trabalho visa apresentar a relação entre a responsabilidade do médico e os protocolos clínicos estabelecidos e o comportamento do Poder Judiciário perante as decisões técnicas com base nesses protocolos ou na autonomia médica. Primeiro, apresenta-se o conceito dos protocolos, sua vinculação e eventual responsabilização do médico caso deixe de segui-lo. Em um segundo momento, discute-se a relação do Poder Judiciário com as decisões que dependem de uma base científica e a aplicação dos princípios da deferência e da precaução. Por último, a análise de dois casos concretos de medicamentos não previstos em protocolos e que foram levados ao Poder Judiciário.

Palavras-chave: protocolos; responsabilidade médica; princípio da deferência; princípio da precaução; Poder Judiciário.

Protocols, medicines and Judiciary

Abstract

This work aims to present the relationship between the physician’s responsibility and the established clinical protocols and the behaviour of the Court before technical decisions based on these protocols or on medical autonomy. First, the concept of protocols, their connection, and the eventual liability of the doctor in case of failing to follow them are presented. Secondly, we discuss the relationship between the Judiciary and decisions that depends on scientific basis and the application of judicial deference doctrine and precautionary principle. Finally, the analysis of two specific cases of drugs not provided for in protocols which were brought before the Judiciary

Key words: protocols; physician´s liability; judicial deference doctrine; precautionary principle; judiciary.


INTRODUÇÃO

A profissão médica é uma das mais antigas do mundo. Com a evolução da ciência e, até mesmo em razão de mudanças sociais, o seu exercício tem sofrido inúmeras transformações, desde a forma de relacionamento com os pacientes até a responsabilização dos profissionais por eventuais erros cometidos. É inegável que a complexidade da sociedade moderna influencia o trabalho do médico.

Nos dias atuais a informação e a evolução da ciência possibilitaram avanços significativos e dinâmicos nos tratamentos de saúde, por meio da criação de novos medicamentos, vacinas, equipamentos avançados e métodos terapêuticos de prevenção de enfermidades. Simultaneamente, e de forma contraditória, a abundância de informações pode trazer desinformação, não só para o paciente, como também para o médico.

Para um profissional cuja atuação deve pautar-se em evidências científicas, o mundo contemporâneo traz o desafio da atualização diária. A cada momento há um novo tratamento, um novo medicamento, uma nova técnica, um novo protocolo. Nesse sentido, o Código de Ética Médica, aprovado pela Resolução nº 2.217/218 do Conselho Federal de Medicina, estabelece que “compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade” 1 (Capítulo I- Princípios fundamentais, inciso V).

O contexto é desafiador, especialmente quando se discute situações em que a ciência está começando a se desenvolver, quando há mais dúvidas do que certezas. O exemplo mais recente dessa situação, e que certamente veio à cabeça do leitor, é a pandemia desencadeada pelo novo coronavírus, SARS-COV-2, causador da COVID-19. Em casos como esse, não há definição científica acerca de uma medicação eficaz, não há estudos seguros sobre a complexidade e as mutações do vírus, sobre as pessoas mais afetadas e a dinâmica de imunidade, não se sabe se há mudança de comportamento do vírus conforme as mudanças ambientais, não há completa definição das formas de contágio.

As disputas científicas sobre um tema ligado à medicina não impendem a sua chegada ao Poder Judiciário. As demandas têm os mais diversos objetos e são dirigidas tanto à Administração Pública, como contra entidades particulares. No presente trabalho, busca-se dar enfoque a essa relação conflituosa entre uma medicina cada vez mais técnica e baseada em evidências científicas, e os magistrados, que devem resolver esses conflitos, sem que possam dessa função renunciar. Na maioria das vezes, deparam-se com disputas muito mais relacionadas à ciência médica do que com a ciência jurídica propriamente dita.

1. PROTOCOLOS E RECOMENDAÇÕES MÉDICAS

1.1. DAS VIVÊNCIAS ÀS EVIDÊNCIAS. O QUE SÃO PROTOCOLOS MÉDICOS?

O exercício da medicina passou por uma redefinição após a Segunda Guerra Mundial. A evolução científica e tecnológica ampliou sobremaneira as possibilidades de intervenção e tratamento. Anteriormente, a atenção médica era fornecida de maneira manual e contava primordialmente com a experiência individual do profissional. Atualmente, a intervenção está ligada a instrumentos tecnológicos e a uma prática mais objetiva e científica2. Começa-se a dar prevalência às escolhas coletivas, em detrimento das escolhas individuais:

“Optamos pela hipótese que a suposta adesão à transmutação da dimensão “arte” da prática médica – reconhecimento e valorização da experiência individual do médico – à científica (validação lógica formal do saber médico) não se dá como decorrência “natural” do progresso tecnocientífico cumulativo e linear, mas como opção da categoria de, ao mesmo tempo, diminuir o grau de incerteza de suas escolhas e reafirmar sua autonomia e status social.”3

Uchôa e Camargo Jr. tratam das mudanças na prática médica nos últimos tempos. Expõem que até o final do século XIX, a medicina era exercida a partir do “paradigma clássico” ou “hipocrático-galênico”, onde “para encontrar a verdade, basta colocar o cientista diante da natureza e interrogá-la segundo o método experimental, utilizando meios de investigação cada vez mais perfeitos”4. No início do século XX, Cangulhem inverte a hierarquia entre ciência e a arte terapêutica e a partir daí os “processos de decisão médica tomam um suporte cada vez maior na tecnologia, na racionalização e padronização”5.

Essa tendência se solidificou, demonstrando a mudança no exercício da prática médica que passou a se identificar com a aplicação de um método científico, baseado em evidências. Segundo Uchôa e Camargo Jr, “da hábil aplicação do conhecimento científico, no início do pós-guerra, adquire paulatinamente maior permeabilidade à ciência que imprime conotação positiva à uniformização, à precisão e à objetividade”6.

O médico deve então, em sua análise clínica, proceder a um cálculo mental que atenda ao cálculo dos resultados e ao custo benefício para que haja um raciocínio científico. Dessa complexidade resulta a necessidade de auxílio, através de ferramentas, para a decisão individual do médico que, através de protocolos e recomendações ou diretrizes clínicas, torne a prática mais racional e científica7.

Percebe-se que a prática médica deixou de ser baseada na vivência pessoal do médico, passando a ser lastreada em evidências científicas, as quais passaram por um processo coletivo de validação até se tornarem um protocolo para o tratamento de uma doença ou até mesmo uma recomendação. Mas, afinal, em que consiste um protocolo para a saúde? Werneck, Faria e Campos, do Núcleo de Educação em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Minas Gerais, conceituam os protocolos como:

“(…)rotinas dos cuidados e das ações de gestão de um determinado serviço, equipe ou departamento, elaboradas a partir do conhecimento científico atual, respaldados em evidências científicas, por profissionais experientes e especialistas em uma área e que servem para orientar fluxos, condutas e procedimentos clínicos dos trabalhadores dos serviços de saúde.”8

Os autores ainda apontam a existência de protocolos de duas naturezas, os clínicos e os de organização dos serviços. Estes são criados tendo em vista a gestão do serviço com a organização do trabalho, os fluxos administrativos e processos de avalição e a constituição do sistema de informação. Aqueles são direcionadas à atenção à saúde voltada para a clínica, as ações preventivas promocionais e educativas9. O conceito trazido pelo Ministério da Saúde diz respeito aos protocolos de natureza clínica:

“Os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) são documentos que estabelecem critérios para o diagnóstico da doença ou do agravo à saúde; o tratamento preconizado, com medicamentos e demais produtos apropriados, quando couber; as posologias recomendadas; os mecanismos de controle clínico; e acompanhamento e a verificação dos resultados terapêuticos, a serem seguidos pelos gestores do SUS. Devem ser baseados em evidência científica e considerar critérios de eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade das tecnologias recomendadas”.10

Pela definição, é possível chegar à conclusão de que os protocolos e as diretrizes na área de saúde visam fornecer ao profissional de saúde – e não só ao médico – caminhos preestabelecidos para diagnosticar e tratar uma doença. Ademais, a adoção de protocolos e diretrizes certamente aponta para um uso mais eficaz de insumos e recursos humanos, haja vista serem desenvolvidos e criados objetivando a resolução de problemas e tensões concretas e objetivas, que se apresentaram previamente na vivência dos gestores e profissionais de saúde.

Isso não quer dizer que a aplicação de protocolos deve ocorrer de forma indiscriminada, em toda e qualquer situação análoga àquela que o originou, exigindo do profissional de saúde discernimento no seu uso consciente. No magistério de Werneck, Faria e Campos, “(…) é importante lembrar que, embora útil e necessário, o emprego de protocolos apresenta limites, pois pode restringir-se a atos e procedimentos preestabelecidos e não corresponder às reais demandas clínicas em diferentes situações.”11 Nesse sentido, os protocolos e diretrizes não devem substituir a análise clínica do médico, pois além de não haver uma resposta preestabelecida para as especificidades de cada caso em análise, “a clínica apresenta significativa variedade de demandas por atenção e esse fato traz a necessidade de que se combine a padronização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos com variações presentes em cada caso.”12

Há críticos que vão além e afirmam que protocolos e diretrizes utilizados pelos médicos retiram o caráter humano da atuação profissional, levando, inclusive, a uma mecanização da profissão:

“Mas esta forma de caminhar na direção do “bem do paciente” é também criticada por seu formalismo, que separa o cuidado médico do “mundo real” do padecimento, desumaniza a prática e transforma o médico em um seguidor de esquemas, com os quais suas habilidades se tornariam supérfluas.”13

Atualmente, não se pode negar que os protocolos são usados de maneira recorrente na prática médica. São “processos ricos em aprendizagem organizacional e, como prescrevem racionalmente os melhores recursos a serem utilizados, são garantia da maior probabilidade de resultados assistenciais almejados”14.

Dessa forma, os protocolos, as diretrizes e as recomendações são uma realidade na ciência médica atual e trazem, em si, uma presunção de maior probabilidade de acerto para o profissional. Porém, na ausência de protocolo específico para o caso, ou mesmo na hipótese de o protocolo não ser suficiente, é possível questionar-se, respectivamente, qual a diretriz a ser adotada ou qual a vinculação do médico. Ou seja, qual a esfera de liberdade e autonomia profissionais que são possíveis em uma medicina baseada em evidências.

1.2. PROTOCOLOS CLÍNICOS: ASPECTOS JURÍDICOS

Como se buscou demonstrar no tópico anterior, a atuação do médico passou de uma prática baseada em suas vivências pessoais, para uma atuação diretamente ligada a evidências científicas; de um conhecimento individual, para um conhecimento construído coletivamente. Essa mudança de perspectiva interfere diretamente na atuação médica, na relação com pacientes e pode, inclusive, influenciar na responsabilização civil e penal do profissional.

O Código de Ética Médica aprovado pela Resolução nº 2.217/218 do Conselho Federal de Medicina, dispõe que “compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade” 15 (Capítulo I- Princípios fundamentais, inciso V). Se por um lado os protocolos clínicos estabelecem, em tese, o melhor tratamento baseado em evidências científicas, por outro, o profissional médico não está vinculado àquelas diretrizes. O uso do protocolo fortalece uma uniformidade e previsibilidade na atuação do médico, o que, consequentemente, traz uma maior segurança jurídica, segundo estudo de Uchôa e Camargo Jr.16:

“Seguir os protocolos e se basear em estudos científicos é uma exigência defendida como forma de tentar padronizar a prática e torná-la mais segura em benefício do próprio médico: Diminuíram a diferença das práticas aqui mesmo neste serviço e também as possibilidades de erro. Protege o médico mesmo que no Brasil essa coisa de processo, seguro não seja forte (médico 1 da rotina).”

Ao mesmo tempo, não é possível dispensar a singularidade do conhecimento e a subjetividade médica para a escolha do tratamento de um paciente. Apenas o médico que examinou e teve contato com aquele paciente é que poderá saber exatamente o que ele está passando e o porquê. Essa peculiar atenção do profissional é que poderá levar à conclusão de que as circunstâncias previstas em um protocolo não se realizaram na prática, levando o médico a uma mudança no tratamento:

“Muitas vezes, os médicos corrigem parâmetros (alterações bioquímicas, pressóricas, entre outras) mesmo reconhecendo que esse procedimento não altera o quadro mórbido do paciente. Mas, de alguma forma, estabelecem limiares não traduzíveis objetivamente entre fazer sempre algo e minimizar a intervenção: Às vezes, reconhece-se que os procedimentos levam à fadiga e não dão chance ao organismo (médico 2 da rotina).”17

Certamente o protocolo dá ao médico muito mais segurança e previsibilidade na sua tomada de decisão. No entanto, resta claro não ser possível vincular a sua atuação a um protocolo ou diretriz, diante das diversas variáveis que podem existir em um caso ou mesmo pela não concretização do que foi previsto no protocolo médico. Essa posição de independência do médico se acentua quando há estudos suficientes sobre o tema ou, na outra ponta, quando a doença é desconhecida. Nesse cenário, o Código de Ética estabelece que o médico deve atuar conforme as melhores técnicas, mas também lhe garante autonomia e liberdade profissional:

“Capítulo I-PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

(…)

VII- O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.

VIII- O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho.

(…)

XVI- Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital ou de instituição, pública ou privada, limitará a escolha, pelo médico, dos meios cientificamente reconhecidos a serem praticados para estabelecer o diagnóstico e executar o tratamento, salvo quando em benefício do paciente.”

Diante de tais previsões, resta claro que ao médico é conferida total liberdade para agir, valendo-se das melhores técnicas e progressos científicos, mesmo que não estejam previstos em protocolos. Quanto a essa autonomia profissional, interessante citar consulta formulada por um médico ao Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná. No caso, houve a prescrição de um medicamento fora da posologia usualmente indicada, o que levou a farmacêutica a questionar o médico prescritor sobre a sua correção, que a confirmou. A farmacêutica, em nova diligência, contatou profissional médico de sua relação para verificar aquela prescrição. Este médico, após pesquisar na literatura e confirmar a inexistência da posologia inicialmente prescrita, formulou consulta ao o CRM-PR.

No Parecer nº 2611/2017 CRM-PR18, a autarquia entendeu estar fora da competência do farmacêutico obstar a liberação de uma receita médica. Caso haja dúvida, o farmacêutico deve entrar em contato com o médico19e essa foi a posição do Conselho, mesmo diante de uma prescrição claramente equivocada20. Na hipótese de questionamento por outro profissional da saúde sobre a prescrição, o médico responsável deve justificar a sua decisão21. A parecerista ressaltou a responsabilidade do médico pela prescrição do medicamento, em qualquer circunstância, inclusive quando o profissional de enfermagem aplicar a terapêutica fora dos parâmetros da literatura médica22. A conclusão do parecer foi a seguinte:

“A prescrição de medicamentos em âmbito hospitalar e ambulatorial é ato médico e de responsabilidade do médico que a faz. O médico pode ser questionado por outros profissionais da área de saúde e a recomendação é que esclareça a necessidade daquela receita para o caso, assim como, explique a posologia utilizada.”

O Conselho Federal de Medicina-CFM se manifestou no mesmo sentido quando consultado sobre procedimentos médicos off label, que são aqueles em que se utilizam materiais ou fármacos fora das indicações em bula ou protocolos. No Parecer CFM nº 2/1623, ressaltou-se que o uso fora dos parâmetros estabelecidos em bula ou protocolos clínicos é de exclusiva responsabilidade do médico prescritor. Nesses casos, porque são produtos de utilização já permitida, apesar de não haver proibição de prescrição, eventuais danos causados são de inteira responsabilidade do médico:

“Utilizando linguagem objetiva, as prescrições na área não são proibidas porque se lida com produtos consagrados e de utilização reconhecida, contudo fora dos parâmetros previstos em bula ou protocolos clínicos. No caso, o médico responde por eventuais insucessos, e, nessa circunstância, o sistema CRM/CFM será chamado a julgar, fazendo-o à luz de cada caso.

Os médicos que assim procederem devem estar cientes das responsabilidades que assumem e do que lhe recai como penalidades a que poderá responder. Necessita do registro em prontuário das motivações para tal forma de conduta e do consentimento esclarecido do paciente ou, em razão de impedimento, de seu responsável legal.”

Diferente situação se dá quando se trata de pesquisa clínica. Nesses casos, o médico deve atentar para o disposto na Lei 12.842/2013, que em seu art. 7º determina a competência do Conselho Federal de Medicina para editar normas disciplinadoras do caráter experimental dos procedimentos em Medicina, bem como proceder em conformidade com a Resolução CFM 1.982/2012, que dispõe sobre normas éticas de reconhecimento de novos procedimentos e terapias médicas.

Restou claro que a responsabilidade pela prescrição de tratamentos é sempre do médico, seja quando aplica um protocolo ou prescreve um medicamento como prevê a literatura, seja quando o faz fora do que está previsto. Porém, nesta última hipótese, o ônus de fundamentar a decisão aumenta significativamente.

Uma medicina que se baseia cada vez mais em evidências do que em vivências, a escolha do médico pelo abandono de um protocolo clínico deve ser devidamente fundamentada, sob pena de responsabilização ética, civil e penal. O erro médico, em sua configuração, envolve a constatação pelos pares. No entanto, a partir do momento que o protocolo clínico existente não é seguido, e que essa medida se efetiva sem justificativa plausível, a responsabilização do médico pode se dar com maior facilidade.

2. PROTOCOLOS MÉDICOS E O PODER JUDCIÁRIO.

2.1. O PRINCÍPIO DA DEFERÊNCIA. PREVALÊNCIA DAS ESCOLHAS CIENTÍFICAS.

Como foi possível perceber dos tópicos anteriores, os protocolos clínicos são construídos com o especial objetivo de resolver problemas práticos existentes no exercício da medicina, levando-se em consideração evidências científicas na tentativa de se obter uma probabilidade maior do resultado almejado.

Os protocolos clínicos podem estabelecer, por exemplo, a forma de tratamento de uma certa doença, o medicamento a ser utilizado, além de outros insumos. Acontece que, muitas vezes, a disputa pela aplicação de um medicamento extrapola a discussão entre os pares e pode parar nos tribunais brasileiros. Muitas são as ações movidas visando uma tutela judicial para obtenção de medicamentos não adotados ou utilizados pelo Sistema Único de Saúde- SUS, ou mesmo por segurados de planos de saúde privados para acesso a tratamentos inovadores ou até mesmo não aprovados pelos órgãos de controle no Brasil.

Essa situação leva a questionamentos de como o Poder Judiciário pode decidir controvérsias que envolvem, em grande medida, discussões da ciência médica. Ao juiz não é dado deixar de decidir, especialmente quando a demanda trata de lesão ou ameaça de lesão a direito tão caro como é o direito à saúde. No entanto, qual o caminho a ser percorrido para se chegar a essa decisão? Invoca-se aqui o princípio da deferência ou deferência judicial.

A discussão sobre os limites de atuação do Poder Judiciário, apesar de antiga, ocupa muitas vezes o ponto central em decisões judiciais. Ao ser provocado em uma demanda de saúde, deve o juiz se ater às questões de direito, deixando a decisão científica à opinião técnica. Entretanto, desenhar uma linha com contornos fortes sobre essa questão, cada vez se mostra mais difícil.

Eduardo Bim afirma que o princípio da deferência evita a utilização abusiva do Poder Judiciário para decisões de questões técnicas24. Explicita que a judicial deference ou Chevron doctrine foi formulada na Suprema Corte americana no caso Chevron v. NRDC (Chevron U.S.A., Inc. v. Natural Resources Defense Council, Inc – 1983). Entendeu-se que a Administração Pública tem primazia na interpretação dos conceitos indeterminados, só sendo possível que a decisão venha do Poder Judiciário em casos teratológicos25.

No referido processo, restou estabelecido que para a aplicação da doutrina, se faz necessário seguir dois passos. Primeiramente, deve-se perquirir se há espaço na lei para uma interpretação dúbia. No segundo passo, busca-se identificar se a regulamentação dada a lei foi razoável, não a melhor interpretação, mas a racional, ou seja, não é dado ao magistrado fazer um juízo de valor26.

Busca-se, assim, uma maneira de evitar que o julgador decida sobre uma matéria sobre a qual não poderia decidir pela simples ausência de conhecimento, dando-se primazia à Administração Pública. É o que afirma Egon Bockmann27:

“A toda evidência, não existe solução única para tais excessos no controle das decisões discricionárias. Mas há alguns caminhos que permitem atenuar tais usurpações de competência. Dentre eles, está o denominado princípio da deferência, ao estabelecer que decisões proferidas por autoridades detentoras de competência específica – sobretudo de ordem técnica – precisam ser respeitadas pelos demais órgãos e entidades estatais (em especial o Poder Judiciário, o Ministério Público e as Cortes de Contas).

Lastreado nos princípios da separação dos poderes e da legalidade, o princípio da deferência não significa nem tolerância nem condescendência para com a ilegalidade. Mas impõe o devido respeito às decisões discricionárias proferidas por agentes administrativos aos quais foi atribuída essa competência privativa. Os órgãos de controle externo podem controlar o devido processo legal e a consistência da motivação nas decisões discricionárias, mas não podem se imiscuir no núcleo duro daquela competência. Precisam respeitá-la e garantir aos administradores públicos a segurança jurídica de suas decisões.”

Referido autor trata no excerto apresentado do princípio da deferência aplicado às decisões da Administração Pública, principalmente no que se refere às decisões técnicas. Isso não quer dizer que o Poder Judiciário deva se manter inerte diante de decisões administrativas despidas de legalidade, no entanto, que se mantenha distante do mérito e da natureza técnica dessas decisões. Essa conclusão, que se chegou em relação às decisões tomadas pelos órgãos técnicos da Administração Pública, deve ser aplicada quanto às decisões médicas.

A tendência de deferência à opinião científica do médico ficou patente no julgamento, pelo Superior Tribunal de Justiça- STJ, do Recurso Especial nº 1.657.156 do Rio de Janeiro, afetado à sistemática dos recursos repetitivos para definição do tema nº 106, onde o Tribunal estabeleceu a seguinte tese28:

“A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:

i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
ii) Incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;

iii) Existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.”

Destaca-se no julgado a deferência do Tribunal, tanto com relação ao quanto prescrito pelo médico para estabelecer o melhor tratamento para o seu paciente como estabelece o primeiro requisito, como em relação a aprovação daquele medicamento pela instância técnica da Administração Pública, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária- Anvisa. Ou seja, apesar do conceito ampliado que o STJ conferiu ao direito à saúde, estabeleceu que a decisão de concessão ou não de medicamentos depende fundamentalmente de decisões técnico científicas.

O Supremo Tribunal Federal- STF, um ano depois, decidiu o Recurso Extraordinário nº 657.718, afetado sob a sistemática da repercussão geral, e endossou o entendimento do STJ ao firmar a regra geral no sentido de que medicamentos sem registro da Anvisa não devem ser fornecidos pelo Poder Público. Entretanto, abriu exceção para medicamentos com registro em outros países e que não tenham substituto terapêutico no Brasil.29

Citada decisão, todavia, não escapa a críticas, pois a escolha da política pública passa do gestor para o médico, segundo Victor Carvalho:

“No mais, a decisão do STJ consolida uma tendência de preocupante excessiva relativização da política farmacêutica estabelecida. A Constituição define que o direito à saúde será garantido mediante políticas que visem ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde. De acordo com a Lei do SUS, a política farmacêutica se organiza por meio da dispensação de medicamentos cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou em listas periodicamente expedidas pelo Poder Público.

Ocorre que o entendimento adotado pelo STJ permite que as prioridades eleitas na política farmacêutica sejam desconsideradas, no caso concreto, com base apenas no laudo assinado pelo profissional que acompanha o paciente. Em outros termos, a política pública pode ser flexibilizada pela caneta de cada médico do país.”30 (destacamos)

Para o autor, a opção do Estado na Lei do SUS (Lei nº8.080/90), foi claramente a fixação de políticas públicas lastreadas em diretrizes definidas em protocolos clínicos, os quais, pela decisão, podem ser substituídos pela opinião de um médico. Ou seja, substitui-se a decisão coletiva, que levou a criação de um protocolo, pela decisão individual de um médico.

O Conselho Nacional do Ministério Público-CNMP, no contexto da pandemia causada pelo novo coronavírus, expediu recomendação, Recomendação Conjunta PRESI-CN Nº 2, DE 19 de junho de 2020, para que seus membros não adotassem medidas judiciais ou extrajudiciais para impugnar políticas públicas quando não houvesse consenso científico sobre o tema (art. 2º)31. A medida enfrentou alta resistência dos membros da carreira ao argumento de que restringiria a atuação da instituição.

Como referido anteriormente, a tarefa apresentada não é de fácil cumprimento, pois as opiniões técnicas divergem a respeito. A Constituição brasileira estabelece a inafastabilidade da jurisdição e do acesso ao Poder Judiciário, garantias essenciais do Estado Democrático de Direito. Questões das mais diversas chegam ao magistrado, do primeiro grau à Corte Suprema, sendo o direito à saúde e à vida temas recorrentes. Nesses processos, não são raras as demandas envolvendo decisões médicas ou de órgãos sanitários e o equilíbrio, entre o respeito às decisões técnicas e a tutela de direitos, é matéria delicada. O reconhecimento, pelo julgador, da necessidade de se manter afastado de questões técnicas complexas, conflita com a imposição legal do dever de proferir uma decisão solucionando a lide.

2.2. INCERTEZAS CIENTÍFICAS E O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO

O problema da decisão judicial que envolve questões técnicas de maior complexidade se aprofunda quando se está diante da incerteza científica. Em casos em que há certo consenso quanto a uma posição científica, o magistrado pode basear-se na decisão técnica. Por exemplo, na hipótese de conflito envolvendo medicamentos que fazem parte do tratamento de uma doença de forma amplamente aceita pela comunidade médica, ou no sentido contrário, quando amplamente condenado, o julgador não terá dificuldade em proferir uma decisão baseada na opinião técnica, respeitando o princípio da deferência.

No entanto, quando o tema é polêmico na comunidade científica, a possibilidade de obtenção de uma decisão coerente com as questões técnicas resta inviabilizada. Não se pode esperar uma decisão razoável do Poder Judiciário quando sequer há consenso entre os experts. E essa impossibilidade também se estende aos auxiliares do juízo, como por exemplo, os peritos. Afirma Eduardo Bim que “não faria sentido deixar nas mãos do perito a escolha da teoria/metodologia científica mais correta e vedá-la ao magistrado. Ainda seria o Judiciário que estaria “resolvendo” a disputa científica”32.

Nesse contexto de incerteza científica, o princípio da precaução também pode ser modulador da atuação do Poder Judiciário em questões técnicas. Segundo Sueli Dallari e Deisy Ventura33:

“O desenvolvimento social revela que na base das sociedades securitárias do Estado de Bem-Estar, encontrava-se a crença numa ciência capaz de sempre melhor controlar os riscos. Ora, é exatamente a constatação de que a própria evolução científica vem aumentado os riscos imprevisíveis, que está provocando a afirmação do novo paradigma, o da segurança. Assim, num contexto de incertezas científicas e do risco da ocorrência de danos graves e irreversíveis, ele induz à formação do princípio de precaução.”

Esse princípio, normalmente associado ao Direito Ambiental, também é amplamente utilizado para proteção do direito à saúde. Para Gabriel Wedy,

“é um instrumento para a gestão de riscos e é proposto no sentido de se evitarem danos à saúde e ao meio ambiente não como mera soft law – simples recomendação programática de conduta, adotada entre nações no plano internacional por uma conferência ou convenção -, mas como princípio imperativo e cogente.”

Observa-se do princípio da precaução que a tomada de decisões baseada em incertezas científicas, seja pelo Poder Executivo, seja por parte do Poder Legislativo ou do Poder Judiciário, trazem profunda insegurança jurídica e um significativo potencial de dano futuro. A premissa que sustenta esse princípio é no sentido de que, havendo dúvida de natureza científica, deve-se buscar evitar o risco, pois eventual dano causado pela decisão pode se tornar irreversível na circunstância de consenso futuro:

“A abrangência do conceito de princípio da precaução e os efeitos de sua aplicação não atingem apenas o Estado como executor, na sua função executiva. Esses efeitos de aplicação do princípio atingem também o Estado na sua função de legislar, pois as normas devem ser editadas observando um dever de precaução do Estado legislador. Isso porque, ao se avaliar a possibilidade de edição de uma lei que permita uma determinada atividade de risco, ante uma incerteza científica acerca dos efeitos danosos desse empreendimento, o Estado legislador não pode editá-la, sob pena de violação do referido princípio.”34

Apesar dessa faceta acauteladora do princípio da precaução, é possível a ocorrência de conflito entre este princípio e o da deferência. Isso porque, sob o manto da precaução, o Poder Judiciário poderá se imiscuir na decisão tomada pelo órgão técnico. O magistrado pode ser demandado a julgar uma situação em que haja incerteza jurídica, mas que contenha um comando anterior determinado pela instância decisória técnica. Segundo Eduardo Bim35, a ciência em si traz muitas incertezas. Nesse sentido, pode-se chegar à hipertrofia do uso do princípio da precaução em questões ambientais e no tema objeto do presente texto, a saúde.

3. CASOS CONCRETOS: MEDICAMENTOS E PROTOCOLOS NO PODER JUDICIÁRIO

A judicialização da saúde no Brasil é fenômeno que já ocorre há algum tempo. As demandas se multiplicam, seja em razão de ações propostas contra a Administração Pública, seja em decorrência de ações intentadas contra seguros de saúde e hospitais privados. Os objetos das demandam vão desde fornecimento de medicamentos até tratamentos alternativos de grande valor econômico.

As demandas de saúde, segundo Victor de Carvalho, têm apresentado uma grande taxa de êxito perante o Poder Judiciário, especialmente no que diz respeito a ações individuais dirigidas contra a Fazenda Pública, tendo vista a garantia constitucional do direito à saúde (arts. 6º e 196 da CF). Aponta que os magistrados, diante de uma visão ampla do próprio conceito do direito à saúde, tendem a dar provimento a pleitos de tratamentos e/ou medicamentos desde que tenham sido devidamente prescritos por um médico. No entanto, um alerta se faz necessário, pois as ações não envolvem apenas conflitos acerca da indevida não aplicação de protocolos clínicos adotados pelo SUS, mas também dizem respeito a concessão de medicamentos e tratamentos que nunca fizeram parte desses protocolos.36

Como observado nos tópicos anteriores, o Poder Judiciário pode enfrentar dificuldades para proferir decisão quando a demanda trate de fornecimento de medicamentos, especialmente na hipótese de incerteza científica, apresentando-se como temerária a substituição da decisão técnica pela decisão judicial.

Para ilustrar o quanto exposto, aponta-se dois casos em que o conflito sobre o uso de medicamentos chegou ao Poder Judiciário, apesar de não haver qualquer consenso entre os médicos sobre as respectivas aplicações: (i) Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.501, que discute a constitucionalidade da Lei 13.269/2016, que autorizou o uso da fosfoetanolamina ainda pendente de registro; e (ii) . Ação Civil Pública nº 1015707-53.2020.4.01.4000 que tem por objeto de discussão a implantação de protocolo de uso da cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina no tratamento da COVID-19.

Adianta-se que, em ambos os casos, houve a aplicação do princípio da deferência, garantindo-se a opinião técnico-científica.

3.1. ADI 5501: O CASO DA FOSFOETANOLAMINA

A Lei 13.269/2016, cujo projeto foi de iniciativa do Poder Legislativo, prevê em seu texto a autorização para uso da substância fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna. O diploma normativo, conhecido como Lei da Pílula do Câncer, permite que pacientes com câncer possam fazer uso da substância se assim decidirem, bastando para isso laudo médico comprovando o diagnóstico e um termo de consentimento e responsabilidade firmado pelo paciente ou por seu representante legal.

A lei foi impugnada perante o Supremo Tribunal Federal-STF pela Associação Brasileira Médica- AMB por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade- ADI nº 5.501, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello37, onde foi concedida medida cautelar, por maioria, para suspender a eficácia da lei até o julgamento final da demanda. Apontou-se que a autorização do uso da substância naquele estágio de pesquisa científica implicaria em violação ao direito à saúde (arts. 6º e 196 da CF), ao direito à segurança e à vida (art. 5º, caput, da CF) e ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF).

A fosfoetanolamina sintética fora descoberta na década de 1970 pelo Dr. Gilberto Orivaldo Chierice, tendo sido testada em camundongos com câncer melanoma, com efeito positivo. Em decorrência, substância foi distribuída por pesquisadores a pacientes portadores de câncer e, na sequência, as pessoas passaram a demandar no Poder Judiciário a distribuição da chamada “pílula do câncer”, dada a sua limitada produção e restrita distribuição a um número pequeno de pacientes. Nesse contexto foi promulgada a Lei 13.269 em 14 de abril de 2016, autorizando o seu uso, sem que tivessem se iniciado sequer os testes clínicos correspondentes.

A ADI nº 5.501 tem por objeto, portanto, a impugnação de uma lei com conteúdo essencialmente técnico, que versa sobre o uso de uma substância sem qualquer previsão em protocolos clínicos, dado que sequer fora aprovada pela Anvisa. Nesse sentido, uma associação de médicos, ou seja, uma instituição que congrega técnicos com expertise sobre a matéria, leva o conflito ao Poder Judiciário, cuja decisão cautelar agasalha o princípio da precaução e da deferência, em que pese a inexistência de expressa referência a esse último, salvo por ter sido tangenciado no voto do Ministro Luís Roberto Barroso, inserindo-se intrinsicamente no fundamento da decisão.

O Ministro Marco Aurélio Mello, em seu voto vencedor, apontou incumbir ao Estado, conforme jurisprudência do Tribunal, fornecer medicamentos e tratamentos médicos à população. Por outro lado, também destacou ser obrigação do Estado impedir o acesso a determinadas substâncias não comprovadamente benéficas à saúde das pessoas. O Ministro destacou que decisão dessa natureza deve estar lastreada em evidências científicas:

A esperança depositada pela sociedade nos medicamentos, especialmente naqueles destinados ao tratamento de doenças como o câncer, não pode se distanciar da ciência. Foi-se o tempo da busca desenfreada pela cura sem o correspondente cuidado com a segurança e eficácia das substâncias. O direito à saúde não será plenamente concretizado sem que o Estado cumpra a obrigação de assegurar a qualidade das drogas distribuídas aos indivíduos mediante rigoroso crivo científico, apto a fastas desenganos, charlatanismos e efeitos prejudiciais aos ser humanos.”

(…)

Na elaboração do ato impugnado, o Congresso Nacional, ao permitir a distribuição de remédio sem controle prévio de viabilidade sanitária, não cumpriu com o dever constitucional de tutela da saúde da população. Impossível é tomar essa constatação como intromissão indevida do Supremo na esfera dos demais Poderes. Decorre dos elementos objetivos verificados neste processo, especialmente no tocante à ausência de registro da fosfoetanolamina sintética.” (grifamos)

Nessa linha de raciocínio, a inexistência de comprovação científica acerca da eficácia da substância e, especialmente, a ausência de segurança no uso do medicamento pelas pessoas , foram fatores determinantes para a Corte Constitucional conceder a medida cautelar pleiteada, suspendendo a eficácia da Lei nº 13.269/2016 e, consequentemente, o uso da substância. Apesar de restar reconhecida a competência do Congresso Nacional para legislar sobre temas como saúde e vigilância sanitária, deu-se prevalência à decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária- Anvisa, órgão estatal detentor de competência técnica para tema.

Acompanhando o voto do relator, o Ministro Luís Roberto Barroso, como dito acima, ressaltou a necessária deferência à competência e capacitação técnica da Anvisa, tanto pelo Poder Legislativo como pelo próprio Poder Judiciário38 :

“As razões que impõem essa deferência são simples. A Anvisa recebeu da ordem jurídica a atribuição de realizar o controle sanitário dos medicamentos, porque detém as melhores condições institucionais para tomar tais decisões. Tais capacidades referem-se aos maiores níveis de informação, de expertise, de conhecimento técnico e aptidão operacional em relação ao procedimento de registro sanitário, marcado por grande complexidade. Por isso, também à luz da análise comparativa das capacidades institucionais dos diferentes Poderes, não seria legítimo transferir do Poder Executivo para o Legislativo a decisão sobre a autorização de uso de substância que não passou pelo crivo da autarquia responsável.”

O princípio da precaução, por sua vez, é invocado pela Ministra Carmem Lúcia39 ante a ausência de segurança relativamente aos efeitos colaterais da chamada “pílula do câncer”:

“Estou acompanhando o Ministro-Relator, com base na Constituição, no que se refere ao princípio da precaução- que normalmente a gente usa em matéria ambiental, mas que acho que é para a saúde, e, portanto, sem receio do perigo inverso-, especialmente pela possibilidade que a própria Resolução da Anvisa, a Resolução nº 38, garante que aquele que esteja na situação de ter de se submeter àquele tratamento e demonstrar as condições, não apenas nos termos previstos na Lei.”

Mesmo a divergência inaugurada pelo Ministro Edson Fachin também defende uma solução que não se distancia muito do entendimento dos outros ministros. Afirmou o julgador que “ao deixar de atribuir a essa substância as mesmas garantias de segurança porque passam os demais produtos destinados à saúde humana, haveria, aqui, em tese, a inconstitucionalidade material, ante a proteção insuficiente do direito à saúde”. No entanto, entendeu que a utilização por doentes terminais é justificável quando não houver outras opções eficazes, sendo razoável a relativização do controle feito pela Anvisa. Assim, votou pela concessão parcial da medida liminar para dar interpretação conforme ao art. 2ª da Lei 13.269/2016, flexibilizando a permissão para os doentes terminais40.

Conclui-se que, nesse caso, coube ao Poder Judiciário impor ao Poder Legislativo o respeito à decisão técnica, ao menos cautelarmente. Em que pese a aparente boa intenção do legislador, a lei editada desrespeitou frontalmente os protocolos técnicos, cabendo ao poder contramajoritário a reafirmação da deferência à ciência.

3.2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TENTATIVA DE IMPLANTAÇÃO DE PROTOCOLO CLÍNICO PELO PODER JUDICIÁRIO

Outro caso que chegou ao Poder Judiciário envolto em incertezas científicas foi o uso da cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina para o tratamento da COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus. As pesquisas estão sendo desenvolvidas em todos os lugares do mundo, seja na busca de vacinas, seja de medicamentos seguros e eficazes para o tratamento da doença. Embora as notícias acerca do desenvolvimento de vacinas sejam promissoras, o conhecimento técnico sobre tratamentos e formas de contágio ainda é insuficiente.

É nesse contexto que chegou ao Poder Judiciária ação civil pública objetivando a implantação de protocolo do uso de cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina para o tratamento da doença.

O Ministério Público Federal com atuação no Estado do Piauí narra em sua peça inaugural o avanço da doença no Brasil e no mundo. A Organização Mundial de Saúde-OMS declarou situação de emergência de saúde pública de interesse internacional (ESPII) em 30 de janeiro de 2020, no que foi seguida pelo Brasil em 11 de março. O estado de calamidade pública foi decretado através do Decreto Legislativo nº 6 de 2020. A Lei 13.979/2020 estabeleceu medidas de combate à crise. Aponta ainda a rápida propagação do vírus e da quantidade crescente de mortes.

Diante desse quadro, a Procuradoria da República vê como essencial a implementação de medidas urgentes, especialmente a adoção dos medicamentos cloroquina, hidroxicloroquina e azitrominicina, inclusive nos primeiros estágios da doença, baseado nas “experiências dos profissionais de saúde que relataram os consideráveis êxitos alcançados no combate à COVID-19”.

As alegações do MPF se fundam em relatos de experiências médicas do uso desses medicamentos no tratamento da COVID-19 na Espanha, apontando elevadíssima redução de óbitos com o uso combinado dos fármacos. A prescrição nos dois primeiros estágios da doença seria importante para evitar que o paciente chegasse à Unidade de Tratamento Intensiva- UTI. No entanto, em momento algum foram apresentados estudos científicos que endossassem o pedido.

Requereu-se, em sede de tutela antecipada, as seguintes medidas: a imediata oferta pelos réus – União, Estado do Piauí e Município de Teresina – de treinamento para os médicos da rede pública de saúde para o uso do Protocolo Covid-19- Piauí- 4ª Atualização; a disponibilização de toda medicação do mencionado protocolo; ampla publicidade e sua disponibilização na rede SUS; publicidade à população; e, em caráter excepcional, o efeito nacional da decisão liminar.

A magistrada que recebeu a ação, no entanto, adotou postura cautelosa ao afirmar que, diante da total incerteza sobre a eficácia dos medicamentos, não poderia decidir sobre a antecipação dos efeitos da tutela sem a oitiva das demais partes. Entendeu não competir ao Poder Judiciário a indicação de protocolo clínico a ser utilizado, apesar de as políticas públicas não estarem imunes ao seu controle:

“O primeiro deles é se a adoção de protocolo específico pelo Sistema Único de Saúde é matéria a ser examinada por um juiz, que, naturalmente, não é médico e não tem conhecimento técnico sobre a matéria.

Por óbvio, cabe ao juiz decidir a norma aplicável a cada caso, e não o protocolo a ser aplicado a cada doença. Esta última tarefa é da ciência médica e não da ciência jurídica. Dito isto, destaco a absoluta deferência que este Juízo tem ao conhecimento científico e à medicina baseada em evidências.

Por outro lado, todavia, é importante registrar que a política pública estatal não está imune à atuação judicial. Isto porque a política pública não decorre de um mero ato de vontade do gestor, mas sim de uma construção racional que correlaciona problemas, meios e resultados. É dizer: é possível e necessária a atuação do Judiciário para garantir que o Poder Público não seja inerte na efetivação de direitos e para garantir que a política pública seja minimamente eficaz dentro dos critérios técnicos disponíveis.”

Interessante notar que a julgadora adota, simultaneamente, uma postura de deferência à ciência médica para escolha do protocolo de tratamento da doença, mas registra que as políticas públicas implementadas pelo gestor, dentre elas o combate à pandemia, são passíveis de controle. Nesse cenário, a magistrada determinou a realização de audiência para a identificação das posições das partes.

Na ocasião, a União informou que em breve seria liberado o protocolo objeto da demanda. Em 20/05/2020, o Ministério da Saúde estabeleceu o protocolo para o uso dos medicamentos nos estágios iniciais da doença41, por meio da Nota Informativa n.º 9/2020-SE/GAB/SE//MS42. A recomendação do Ministério consolidou a necessidade de prescrição médica para o uso das drogas, além do consentimento do paciente para o tratamento, por meio de assinatura em termo próprio.

Na audiência em continuação, o juízo decidiu pela perda parcial do objeto, especificamente quanto à adoção do protocolo de uso dos medicamentos e a disponibilização dos mesmos pela União, extinguindo em parte o processo sem resolução do mérito. Quanto à disponibilização dos medicamentos pelo Estado do Piauí e pelo Município de Teresina, a perda do objeto restou condicionada à prova do fornecimento dos fármacos em suas redes. Remanesceram, todavia, os pedidos de publicidade das medidas, tal como requerida pelo MPF. Posteriormente, a liminar quanto a esses pontos foi indeferida, pois acarretaria revisão de protocolos adotados à época pelo órgão técnico, qual seja, o Ministério da Saúde.

Veja que houve uma deferência do juízo à decisão do Ministério da Saúde que expediu protocolo clínico para o uso dos medicamentos ainda no início da doença. No entanto, a discussão entre os órgãos que tem competência técnica para tratar sobre a matéria está longe de se encerrar. O Conselho Federal de Medicina, no Parecer nº 4 de 202043, já estabeleceu que não comete falta disciplinar o médico que utilize os medicamentos durante a grave crise, em que pese ter se afirmado a inexistência de estudo conclusivo pela eficácia do tratamento.

Em 15 junho de 2020, a agência de controle de alimentos e drogas do Estados Unidos, a FDA (Food and Drugs Administration) revogou a autorização de uso de emergência da cloroquina e hidroxicloroquina contra a COVID-19. O órgão americano concluiu que os potenciais benefícios não compensam os riscos conhecidos e potenciais dos medicamentos44.

Nesse contexto de incertezas, o Conselho Nacional do Ministério Público-CNMP, expediu recomendação, Recomendação Conjunta PRESI-CN Nº 2, DE 19 de junho de 2020, para que seus membros não adotassem medidas judiciais ou extrajudiciais para impugnar políticas públicas quando não houver consenso científico sobre o tema (art. 2º)45.

Passados alguns meses do início da pandemia, ainda não há estudos conclusivos quanto ao uso dos referidos medicamentos. Ao mesmo tempo, diversas pesquisas buscam outros medicamentos eficazes contra a doença. Exemplo disso é o estudo publicado na JAMA (Journal of the American Medical Association) indicando o uso de esteroides nas fases mais graves da COVID-1946. A OMS, inclusive, fez a recomendação de uso do medicamento para casos grave47. Vale dizer que esse medicamento também está previsto no mesmo protocolo que se pretende implantar com a referida ação, porém, não entrou no debate político que parece ter contaminado tanto o âmbito jurídico e médico.

Na demanda em questão, buscou-se no Poder Judiciário uma decisão fortemente vinculada a uma decisão técnica. Apesar da possibilidade de controle de políticas públicas sem que haja a violação do princípio da separação dos poderes, especialmente no que diz respeito à deferência judicial, há casos em que é difícil estabelecer essa linha divisória. Prevaleceu a deferência ao órgão técnico ante a expedição de diretrizes pelo Ministério da Saúde e a necessidade de prescrição médica contida na recomendação, mesmo diante das incertezas que ainda pairam sobre o tema. Mas, importante ressaltar que novamente a decisão foi do órgão técnico da Administração Pública, o Ministério da Saúde, além da determinação de necessidade de prescrição médica.

CONCLUSÃO

Compreende-se que atualmente a medicina se baseia cada vez mais em evidências científicas buscando uma objetividade da prática médica. A evolução tecnológica, bem como a enorme quantidade e velocidade de informações impõem ao médico o desafio de densa e efetiva atualização em sua clínica. Ao mesmo tempo, essas demandas complexas não param de chegar no Poder Judiciário.

Os protocolos e diretrizes se multiplicaram, justamente em razão da necessidade de se conferir objetividade e previsibilidade às decisões. Paralelamente, o médico não está estritamente vinculado ao protocolo, sendo resguardada a sua autonomia profissional. No entanto, a tomada de decisão quanto a prescrever um tratamento fora do que estabelece o protocolo e dos parâmetros da literatura médica impõe ao médico a adequada fundamentação dessa decisão.

Chegam ao Poder Judiciário as mais diversas demandas envolvendo questões médicas, especialmente referentes a medicamentos. É nesse ponto, como se percebeu ao longo do texto, que se atribui ao julgador a resolução de lides que extrapolam o seu conhecimento técnico. Assim, evidencia-se o princípio da deferência e, em certa medida, o princípio da precaução, importantes instrumentos para balizar a atuação do Poder Judiciário nesses tipos de ação, notadamente quando a própria comunidade médico científica não chegou a um consenso.

Nesses casos, o Poder Judiciário tem mostrado uma autocontenção no que se refere a decisão do médico. Para exemplificar, apresentou-se dois casos recentes que foram decididos, ainda cautelarmente, com fundamento na deferência e na precaução: o caso da “pílula do câncer”, que chegou ao STF por ação direta de inconstitucionalidade, onde se deu preferência à decisão do órgão técnico da Administração Pública pela ausência de testes clínicos do medicamento; e o processo que teve por objeto o tratamento para COVID-19, onde o juízo também prestou deferência ao decidido pelo Ministério da Saúde, apesar das incertezas que ainda pairam sobre o tema.

Assim, resta evidente que a medicina baseada em evidência é, atualmente, determinante para a tomada de decisões médicas. Ao mesmo tempo, a cientificidade dessas decisões vem se refletindo nas decisões judiciais, não pelo uso de razões da ciência médica para decidir, mas pelo respeito as decisões técnicas que foram tomadas com fundamento em evidências científicas.


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NOTAS

1 Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 2.217/2018, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019/ Conselho Federal de Medicina- Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2019.

2 UCHÔA, Severina Alice da Costa; CAMARGO JR, Kenneth Rochel de. Os protocolos e a decisão médica: medicina baseada em vivências e ou evidências?Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, p. 2241-2249, 2010.

3 Ibidem.

4 Ibidem.

5 Ibidem.

6 Ibidem.

7 Ibidem.

8 FARIA, Horácio Pereira de; CAMPOS, Kátia Ferreira Costa; WERNECK, Marcos Azeredo Furquim. Protocolos de cuidados à saúde e de organização do serviço. 2008. Disponível em <https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/1750.pdf>. Acesso em 16 de jun. 2020.

9 Ibidem.

11 FARIA, Horácio Pereira de; CAMPOS, Kátia Ferreira Costa; WERNECK, Marcos Azeredo Furquim. Protocolos de cuidados à saúde e de organização do serviço. 2008. Disponível em <https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/1750.pdf>. Acesso em 16 de jun. 2020.

12 Ibidem.

13 UCHÔA, Severina Alice da Costa; CAMARGO JR, Kenneth Rochel de. Os protocolos e a decisão médica: medicina baseada em vivências e ou evidências?. Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, p. 2241-2249, 2010.

14 JACQUES, Jacques Édison; GONÇALO, Cláudio Reis. Gestão estratégica do conhecimento baseada na construção de protocolos médico-assistenciais: o compartilhamento de ideias entre parcerias estratégicas como vantagem competitiva. INMR-Innovation & Management Review, v. 4, n. 1, p. 106-124, 2007.

15 Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 2.217/2018, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019/ Conselho Federal de Medicina- Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2019, p. 15.

16 UCHÔA, Severina Alice da Costa; CAMARGO JR, Kenneth Rochel de. Os protocolos e a decisão médica: medicina baseada em vivências e ou evidências?. Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, p. 2241-2249, 2010.

17 Ibidem.

18 BRASIL. Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná. Parecer nº 2611/2017. Curitiba: Conselho Regional de Medicina, 23 de out. de 2017. Disponível em: <https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/pareceres/PR/2017/2611_2017.pdf>. Acesso em 12 de jun. de 2020.

191) Uma farmacêutica tem o direito de não liberar uma receita médica por erro na posologia? Caso esteja entre a dose máxima diária? Caso ultrapasse a dose máxima diária?

Resposta: A farmacêutica não tem amparo legal, nem ético para não liberar uma receita médica. O que ela tem direito e pode fazer é entrar em contato com o profissional médico para que o mesmo explique e confirme sua prescrição.”

203) Qual a conduta que a farmacêutica deveria tomar frente a uma prescrição claramente equivocada, por exemplo, 6g de paracetamol ao dia, dividido em 3 tomadas.

Resposta: A farmacêutica deve entrar em contato com o médico e confirmar esta receita.”

214) Qual a conduta que o médico deve tomar ao ser questionado por outro profissional de saúde não médico, sobre suas prescrições?

Resposta: Deve esclarecer a outro profissional a razão da escolha da medicação, assim como a posologia prescrita para o tratamento do paciente.”

225) O técnico de enfermagem ou enfermeiro pode ser considerado responsável, se realizar um medicamento com posologia correta, se ocorrerem efeitos adversos ao paciente?

Resposta: Não pode. A responsabilidade sobre a receita e também os eventos adversos da terapêutica prescrita são de responsabilidade do médico prescritor e não pode ser delegada a outro profissional.

6) O técnico de enfermagem ou enfermeiro pode ser considerado responsável se realizar um medicamento com posologia fora da literatura, se ocorrerem efeitos adversos ao paciente?

Resposta: Não pode. A responsabilidade é do médico prescritor.”

23 BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Parecer nº 2/2016. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 20 de jan. de 2016. Disponível em: <https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2016/2>. Acesso em 12 de jun. de 2020.

24 BIM, Eduardo Fortunado. Divergências científicas e metodológicas e no Direito Público e no Ambiental. Revista de informação legislativa, v. 49, n. 193, p. 125-139, jan./mar. 2012. Disponível em <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/496561>. Acesso em 18 de jun. de 2020.

25 Ibidem.

26 Ibidem.

27 MOREIRA, Egon Bockmann. Crescimento econômico, discricionariedade e o princípio da deferência. Direito do Estado, ano 2016, n. 168. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/egon-bockmann-moreira/crescimento-economico-discricionariedade-e-o-principio-da-deferencia>. Acesso em: 17 jun. 2020.

28 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.657.156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 25/04/2018.

29 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 657.718/MG, Relator Ministro Marco Aurélio Mello, Tribunal Pleno, julgado em 22/05/2019, DJE 25/10/2019.

30 CARVALHO, Victor Aguiar de. A política pública na caneta do médico: Avanços e incertezas no julgamento sobre fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS. Jota, 18/05/2018. Disponível em <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-politica-publica-na-caneta-do-medico-18052018>. Acesso em 25/06/2020.

31 BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. RECOMENDAÇÃO CONJUNTA PRESI-CN Nº 2, DE 19 DE JUNHO DE 2020: Conselho Nacional do Ministério Público, 18 de jun. 2020. Disponível em <https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Recomendacoes/RECOMENDAO-CONJUNTA-PRESI-CN-N-2-DE-19-DE-JUNHO-DE-2020-1.pdf>. Acesso em 29 de jun. 2020.

32 BIM, Eduardo Fortunado. Divergências científicas e metodológicas e no Direito Público e no Ambiental. Revista de informação legislativa, v. 49, n. 193, p. 125-139, jan./mar. 2012. Disponível em <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/496561>. Acesso em 18 de jun. de 2020.

33DALLARI, Sueli Gandolfi; VENTURA, Deisy de Freitas Lima. “O princípio da precaução: dever do Estado ou protecionismo disfarçado?.” São Paulo em perspectiva 16.2 (2002): 53-63.

34WEDY, Gabriel de Jesus Tedesco. Os elementos constitutivos do princípio da precaução e a sua diferenciação com o princípio da prevenção. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, nº 68, out. 2015. Disponível em <https://revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao068/Gabriel_Wedy.html>. Acesso em 18 de jun. de 2020.

35 BIM, Eduardo Fortunado. Divergências científicas e metodológicas e no Direito Público e no Ambiental. Revista de informação legislativa, v. 49, n. 193, p. 125-139, jan./mar. 2012. Disponível em <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/496561>. Acesso em 18 de jun. de 2020.

36 CARVALHO, Victor Aguiar de. A judicialização da saúde sob o olhar da Análise Econômica do Direito: um exame dos incentivos ao ajuizamento e à solução extrajudicial de conflitos. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, nº 3, 2018 p.307-326

37 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.501. Diário de Justiça. Brasília, 2016.

38 O Ministro Luiz Fux que afirma que o STF não tem capacidade institucional para regular a matéria, sendo indispensável a realização de audiência pública para ouvir a comunidade científica.

39 Nesse mesmo sentido, o Ministro Ricardo Lewandowski, enfatizando a impropriedade de permissão de uso da substância pelo Estado sem base científica, observa que no campo da saúde, onde se trata do direito à vida e da própria dignidade humana, não há espaço para decisões fundamentadas em suposições, mas apenas em evidências.

40 O Ministro Dias Toffoli, acompanhando a divergência, destaca que ele, ou qualquer magistrado da Corte, não tem competência para avaliar a segurança e a eficácia da substância. No entanto, contraditoriamente, afirma que é possível a abertura da exceção à competência técnica da Anvisa para permitir a utilização da substância por doentes terminais.

41 BRASIL. Ministério da Saúde. Ministério da Saúde divulga diretrizes para tratamento medicamentoso de pacientes. Disponível em <https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46919-ministerio-da-saude-divulga-diretrizes-para-tratamento-medicamentoso-de-pacientes>. Acesso em 22 de jun. de 2020.

43 BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Parecer nº 4/2020. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 16 de abr. de 2020. Disponível em: <https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2020/4>. Acesso em 29 de jun. de 2020.

44 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. U.S. Food and Drug Administration, 15 de jun. de 2020. Disponível em <https://www.fda.gov/media/138945/download>. Acesso em 29 de jun. de 2020.

45 BRASIL. Conselho Nacional do Ministério Público. RECOMENDAÇÃO CONJUNTA PRESI-CN Nº 2, DE 19 DE JUNHO DE 2020: Conselho Nacional do Ministério Público, 18 de jun. 2020. Disponível em <https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Recomendacoes/RECOMENDAO-CONJUNTA-PRESI-CN-N-2-DE-19-DE-JUNHO-DE-2020-1.pdf>. Acesso em 29 de jun. 2020.

46 STERNE, Jonathan AC et al. Association between Administration of Systemic Corticosteroids and Mortality among critically ill patients with COVID-19: a meta-analysis. Jama, 2020. Disponível em <https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2770279>. Acesso em 28 de set de 2020.

47 WORLD HEALTH ORGANIZATION et al. Corticosteroids for COVID-19: living guidance, 2 September 2020. World Health Organization, 2020. Disponível em https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-Corticosteroids-2020.1. Acesso em 29 de set de 2020.

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