Sancionada 15 anos atrás, em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha estabeleceu direitos e penas específicas e é considerada uma legislação avançada no combate à violência contra a mulher. Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, ela cria mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em conformidade com a Constituição Federal e os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro.

A lei leva o nome de Maria da Penha, farmacêutica bioquímica, vítima de violência doméstica que se tornou um exemplo de luta pelos direitos das mulheres. Em 1983, Maria da Penha foi vítima de dupla tentativa de feminicídio por parte de Marco Antonio Heredia Viveros, seu marido à época. Primeiro, ele deu um tiro em suas costas enquanto ela dormia. Maria da Penha ficou paraplégica, além de outras complicações físicas e traumas psicológicos. Quatro meses depois, quando Maria da Penha voltou para casa – após duas cirurgias, internações e tratamentos –, ele a manteve em cárcere privado durante 15 dias e tentou eletrocutá-la durante o banho.

Maria da Penha recorreu à justiça, mas o primeiro julgamento de Marco Antonio foi realizado oito anos depois da violência e o segundo treze anos depois. Em ambos os julgamentos a sentença não foi cumprida. No ano de 1998, o caso tomou proporções internacionais quando Maria da Penha denunciou o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). O Estado brasileiro foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras.

A história de Maria da Penha significava mais do que um caso isolado: era um exemplo do que acontecia no Brasil sistematicamente sem que os agressores fossem punidos. Por isso, em 2002 um consórcio de ONGs feministas se juntou para escrever a lei. Após muitos debates com o Legislativo, o Executivo e a sociedade, o Projeto de Lei n. 4.559/2004 da Câmara dos Deputados chegou ao Senado Federal (Projeto de Lei de Câmara n. 37/2006) e foi aprovado por unanimidade em ambas as Casas. Em 2006 a Lei foi sancionada pelo presidente Lula e levou o nome de Maria da Penha.

Inovações da legislação

A primeira inovação que a legislação traz é a classificação de tipos de violência doméstica. No geral, as pessoas pensam em violência doméstica apenas como violência física, mas ela pode se manifestar de diferentes maneiras. Com a conceituação de violência doméstica, a lei facilita o combate, a prevenção e a punição do crime. Os cinco tipos de violência que a lei estabelece são:

  1. Violência física: qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher.
  2. Violência psicológica: qualquer conduta que: cause dano emocional e diminuição da autoestima; prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher; ou vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões
  3. Violência sexual: qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força.
  4. Violência patrimonial: qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.
  5. Violência moral: qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Aspecto importante que a Lei Maria da Penha trouxe foi a visibilidade para os direitos das mulheres. Houve uma cobertura intensa dos meios de comunicação sobre a legislação e muitas pessoas passaram a direcionar seus trabalhos para isso, nas diversas profissões. Hoje praticamente todo mundo conhece a Lei Maria da Penha, mesmo que não saiba exatamente o que ela garante, ao menos sabe que defende as mulheres vítimas de violência doméstica.

“Não é só mais a mulher gritando pelos seus direitos, por ela ter sido agredida, pelo sofrimento dela, etc. Existe um cuidado no entorno. Às vezes o empregador vai prestar atenção se a sua funcionária foi agredida e ele vai socorrê-la. Acredito que existe uma conscientização que foi crescendo ao longo desses 15 anos de uma maneira notável. Principalmente se a gente considerar o tipo de sociedade que o Brasil tem, que é extremamente patriarcal e machista”, afirmou Cecilia Mello, sócia do Cecilia Mello Advogados.

A advogada argumenta que a questão da equidade na aplicação da lei é extremamente importante porque o reconhecimento não pode ter restrições, ele tem que ser um reconhecimento amplo e uniforme. Isso é algo que ainda temos muito para buscar. “Além disso, há a questão do não acolhimento em políticas públicas, principalmente neste governo que tenta boicotar tudo quanto já foi feito em termos de políticas públicas. Ainda tem muito para buscar. Em termos legais eu nem sei se há tanto, mas em termos morais e sociais tem muito ainda”, disse.

Obstáculos para a aplicação da lei

Apesar de a lei ser considerada pela Organização das Nações Unidos (ONU) como a terceira melhor lei do mundo no combate à violência contra a mulher, ela ainda sofre com alguns obstáculos para a sua aplicação. Um desses obstáculos é a dificuldade de alguns agentes do Estado de internalizar essa cultura de proteção à mulher.

Mas Cecilia Mello afirma que houve um avanço em relação a isso. “No ano passado, a pauta de projetos de lei voltados à garantia de direitos das mulheres andou como nunca. Mas andou dessa maneira, não só por conta de um movimento feminino, mas por conta de um movimento masculino de apoio a essas medidas. Há uma tendência de se buscar uma equidade na aplicação da lei. Dentro do próprio Tribunal de Justiça paulista há diferenças significativas nesse olhar”.

Outro obstáculo que não é propriamente da lei, mas que é da violência doméstica em geral, é a dificuldade que muitas mulheres têm de denunciar, de levar o caso à polícia, ao Judiciário porque, em geral, estamos falando de violência no campo afetivo.

Leia a reportagem completa na LexLatin Brasil.

Tags: