Publicado na CNN Brasil
O tenente-coronel Mauro Cid disse à Polícia Federal que o ex-presidente discutiu um golpe de Estado com os comandos do Exército, Marinha e Aeronáutica; advogadas consideram que o relato precisa ser ratificado por outras evidências
A delação do tenente-coronel Mauro Cid à Polícia Federal, segundo a qual o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se reuniu com os comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para discutir um golpe de Estado que o manteria no poder, mobilizou o cenário político e gerou repercussões a respeito de suas consequências.
Conforme relatos feitos à CNN, aliados de Bolsonaro se reuniram para articular uma estratégia de resposta. Já lideranças petistas chegaram a dizer que havia justificativa para a prisão do ex-presidente.
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, disse à CNN que as Forças Armadas “não aceitaram proposta de golpe”. Segundo Cid, a Marinha colocou suas tropas à disposição do plano, que, por outro lado, não foi aceito pelo Exército.
Especialistas ouvidas pela CNN explicam que a delação é um meio de obtenção de provas e, portanto, não gera responsabilizações. O relato, contudo, pode ser ratificado por evidências e encaminhar a investigação.
O peso da delação
Cecilia Mello, advogada criminalista e juíza federal aposentada do Tribunal Regional Federal (TRF), explica que a delação é uma espécie de “contrato” firmado entre delator e as autoridades – Mauro Cid e a Polícia Federal –, em que há duas partes interessadas.
O primeiro envolvido oferta um elemento inédito à investigação, enquanto as autoridades podem beneficiá-lo nas punições que serão determinadas.
“O delator oferece uma confissão, já que ele participou dos eventos que relata, para se beneficiar”, explica.
A advogada criminalista pondera que o relato do ex-ajudante de ordens é um “início de prova”. Caso a investigação não obtenha outros depoimentos ou evidências que o ratifiquem, ele não será beneficiado. “Ele é assistido por um bom advogado”.
Em concordância, a advogada constitucionalista Vera Lúcia Chemim considera a delação um “meio de obtenção de prova”: “Ela terá de ser, obrigatoriamente, corroborada por outros elementos” para provar que houve um encontro de caráter golpista.
Neste momento, portanto, não há base legal para esperar qualquer medida das autoridades em relação a Jair Bolsonaro ou integrantes da cúpula da Marinha no período.
“Não se cogita qualquer tipo de medida cautelar para restringir a liberdade do investigado — neste caso, o ex-presidente –, a menos que se obtenham elementos de prova suficientes”, diz Vera.
Impacto futuro
A fala de Cid à PF pode levar à instauração de um inquérito para apuração de seu relato, aponta Cecilia Mello: “Se ele reunir provas consistentes para uma denúncia, ela será apresentada ao Ministério Público. Essa é a ‘justa causa’”.
Enquanto essa apuração ocorre, no entanto, a investigação de outros pontos do caso prossegue.
“Na hipótese de que as investigações comprovem o cometimento de atos ilícitos por Jair Bolsonaro, ele será responsabilizado dos pontos de vista civil e penal”, diz Vera Lúcia Chemim.
A comprovação de uma reunião com as cúpulas das Forças Armadas para discutir os detalhes de um golpe, se comprovada, é um desses “atos ilícitos” que podem responsabilizar o ex-presidente e os representantes da Marinha na ocasião.
Cecilia explica que, no caso de Bolsonaro, “o contexto privilegiado [para aplicar um golpe], já que ele era o chefe das Forças Armadas, pode provocar uma pena elevada” para o crime de golpe de Estado. No Código Penal, a punição prevista para o delito é de 4 a 12 anos de reclusão.