Publicado no Estadão

Além do sogro, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, também permite que um velho conhecido despache na pasta sem ter qualquer vínculo formal com o ministério. Representantes de empresas têm sido recebidos no gabinete pelo sogro e por João Bezerra Magalhães Neto, um aliado político do ministro, que, para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é um aposentado por invalidez, mas, na pasta, atua dia e noite ao lado de Juscelino.

Magalhães participou, individualmente ou ao lado do ministro, de pelo menos 32 reuniões desde o fim de janeiro. O Estadão identificou agendas do auxiliar de Juscelino, no ministério, até 23 de maio.

Em 12 de abril, Magalhães Neto recebeu a vice-reitora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Cláudia Ramos chegou à pasta às 9h58 para uma reunião com ele. Naquele momento, o ministro Juscelino Filho acompanhava o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em viagem à China.

Em 17 de março, o amigo do ministro recebeu um “particular” identificado como Paulo Ramalho. Na ocasião, o ministro estava no Maranhão. Dois dias antes, Ramalho havia se reunido com o sogro de Juscelino. Esses registros constam em listas de entradas e saídas que só foram disponibilizados por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). A documentação pública não traz nenhuma informação adicional sobre o visitante e a reportagem não identificou de quem se tratava. Magalhães também se reuniu com representantes dos Correios, da Telebras e de empresas de telefonia. Ele não aparece oficialmente nas agendas públicas da pasta.

Como revelou o Estadão, o gabinete paralelo no Ministério das Comunicações inclui o empresário Fernando Fialho, sogro do ministro, que tem negócios na área de infraestrutura. Os integrantes do gabinete paralelo recebem empresários, participam de reuniões com servidores comissionados e aliados do ministro mesmo quando Juscelino Filho está fora de Brasília. Para especialistas, as atuações de Fialho e de Magalhães são irregulares.

No dia a dia do ministério, Magalhães costuma sentar-se à mesa com o ministro e parte do secretariado para ouvir representantes do setor de telecomunicações. A cada reunião, o cerimonial do ministério coloca placas na mesa com nome e cargo de cada convidado. Para Magalhães Neto, há apenas seu sobrenome, sem a indicação da função que exerce.

Ele tem o aval do ministro para disseminar sua filosofia de trabalho junto aos demais funcionários. Repete internamente o mantra do “CHÁ”, iniciais de “conhecimento, habilidade e atitude”, características que ele reputa indispensáveis para quem trabalha no ministério.

O Estadão apurou que coube a Magalhães entrevistar todos os secretários da pasta antes das respectivas nomeações, mesmo sem integrar formalmente o ministério. Na pasta, ele é visto como um coordenador-geral. A organização dos cargos ministeriais prevê a função, mas ela está vaga.

Empresários recebidos por Magalhães confirmaram as audiências. O professor e escritor Cláudio Marcellini esteve no ministério em 17 de março e disse ao Estadão ter discutido inclusão digital, sua área de trabalho, com o amigo de Juscelino e outros funcionários da pasta. “O Magalhães era meio que o cérebro (da reunião)”, afirmou.

Em 16 de fevereiro, a agenda foi com Luiz Henrique Cidade, da consultoria Foco. Ele contou que foi convidado por Magalhães, que teria se mostrado interessado em serviços prestados por ele. “Foi um pedido dele para que a gente fosse lá em função de materiais que a empresa tem produzido com relação a tecnologia. Nunca mais falei com ele”, disse.

Magalhães Neto tem uma relação antiga com o pai do ministro, o ex-deputado Juscelino Rezende, e trabalha com Juscelino Filho desde seu primeiro mandato, em 2015. Assim como no ministério, Magalhães Neto também atuou sem nomeação na Câmara. Entre 2015 e 2022, o auxiliar prestou serviço ao então deputado Juscelino Filho por meio da Pasch Consultoria, Assessoria em Gestão Empresarial e Prestação de Serviços Técnicos Especializados em Informática. A empresa recebeu R$ 945 mil da Câmara por serviços de consultoria. A Pasch era paga com regularidade quase mensal, em valores que variavam entre R$ 4 mil e R$ 22 mil.

Embora o serviço fosse feito por meio de uma empresa, Magalhães Neto era tratado como um integrante do gabinete. Em 13 de dezembro de 2018, Juscelino Filho publicou uma foto, em uma rede social, com Magalhães Neto e outras cinco pessoas. “Hoje tivemos almoço de confraternização com a equipe do gabinete”, registrou.

Legislação

A advogada Cecilia Mello afirma que não há hipótese de alguém atuar em um órgão de governo sem contrato. Ela explica que existem três formas de trabalhar na administração pública. “Ou o servidor é estatutário ou tem um cargo em confiança, ou estamos falando de uma pessoa jurídica que se submeteu às regras de licitação. Não cabe uma prestação de serviço no âmbito da administração pública sem que esta relação esteja disciplinada”, ressalta.

Ex-desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3), ela observa que, mesmo em caso de trabalho voluntário, é preciso ter um contrato nos termos da Lei do Voluntariado. “E se esse sujeito pratica um ato de improbidade sem ter vínculo? Ele não está sujeito à lei de improbidade. A responsabilização é de quem? De quem o levou lá para dentro sem formalizar uma contratação”, afirma. “É uma situação de vulnerabilidade extrema (trabalhar sem nomeação) tanto para um lado quanto para o outro. Você pode ter um acidente de trabalho com a culpa de outro servidor. São ‘N’ situações.”

João Magalhães disse ao Estadão que conhece o ministro desde o primeiro mandato de Juscelino Filho como deputado federal e, graças à “experiência profissional”, foi alçado à função de “conselheiro” do ministro. “Assim, com essa proximidade e dada a minha experiência na administração direta e indireta, sempre que convidado estive com o ministro Juscelino no ministério, mesmo sem um vínculo formal-profissional existente entre nós ou entre mim e o Ministério das Comunicações”, disse. Ele ressaltou que nunca foi convidado para integrar o ministério e, se fosse, não poderia assumir um cargo por não ter “condições físicas de trabalho”.

Em nota, o Ministério das Comunicações afirmou que João Magalhães e Fernando Fialho “são pessoas próximas do ministro”. Segundo a pasta, ambos têm “qualificações profissionais, técnicas e acadêmicas”, e estiveram “presentes e próximos ao ministro durante o início da sua gestão”. “Contribuindo com suas experiências, em caráter espontâneo, prática essa muito comum em períodos de formação e formulação de um novo governo”, disse a pasta. “Ambos na qualidade de conselheiros informais também estiveram, eventualmente, no ministério para conversar com o ministro. Nessas ocasiões participaram de reuniões, o que também não é incomum.”

O ministério frisou que Juscelino Filho “nunca cogitou” nomear o sogro ou o “conselheiro de longa data”. “É inverídico que ambos usaram as estruturas do ministério para receber empresários”, afirmou a pasta. As agendas reveladas pela reportagem, porém, registram o contrário.