As questões jurídicas que envolvem a liberação do aborto no Brasil

O assunto é polêmico e tem sido muito discutido nos últimos anos não só no Brasil, mas em todo o mundo. A questão da legalização do aborto no país volta com força depois que a Argentina aprovou a descriminalização em 30 de dezembro passado.

Por lá, todas as mulheres maiores de 16 anos podem escolher interromper a gravidez até a 14ª semana. Um debate que mobilizou o país no fim do ano passado.

Na América Latina, segundo a Organização Mundial da Saúde, três em cada quatro abortos realizados são clandestinos e podem causar traumas, deixar a mulher estéril ou provocar a morte. Dos 40 países e territórios que compõem a região, apenas seis permitem a interrupção da gravidez nas primeiras semanas de gestação: Cuba, Porto Rico, Guiana, Guiana Francesa, Uruguai e agora a Argentina.

O Brasil, segundo especialistas em direito ouvidos por LexLatin, ainda está muito longe de aprovar ou mesmo discutir, via Câmara dos Deputados e Senado Federal, um projeto consistente que mobilize a sociedade em torno da questão.

Por aqui o aborto é crime, com pena de 1 a 3 anos de prisão para a gestante e de 1 a 4 anos de detenção para quem faça o procedimento de retirada do feto. Mas existem três casos em que o aborto é permitido. O artigo 128 do Decreto Lei nº 2.848 de 1940 estabelece que o aborto poderá ser feito quando a gravidez é resultado de estupro ou põe em risco a saúde da mulher. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é possível interromper a gestação se o feto não tem cérebro.

Mas a realidade no Brasil, segundo autoridades de saúde, mostra que a situação é uma questão de saúde pública. Muitas mulheres recorrem a clínicas clandestinas e fazem a interrupção da gravidez dentro de casa, buscando medicamentos e fórmulas caseiras que estão na internet. Por causa disso, segundo dados do próprio Ministério da Saúde, 4 mulheres morrem todos os dias no país em razão de um aborto malsucedido.

De acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto, um levantamento que foi feito pela última vez em 2016, o aborto é um fenômeno frequente e persistente entre as mulheres de todas as classes sociais, grupos raciais, níveis educacionais e religiões. Naquela época, o estudo concluiu que 1 em cada 5 mulheres que têm até 40 anos já realizou pelo menos um aborto no Brasil.

Outra situação que preocupa é número de crianças e adolescentes de cinco a 14 anos de idade que sofrem abortos naturais ou induzidos no país. De 2008 a 2020 foram quase 32 mil casos, sete por dia, também de acordo com o Ministério da Saúde. Para os especialistas, a questão precisa ser mais debatida, independente de qualquer ideologia, mas como algo que afeta a saúde pública.

Questão social

Cecilia Mello, sócia do Cecilia Mello Advogados e ex-juíza federal no TRF-3, também defende que o aborto não deve ser analisado prioritariamente sob a vertente pessoal ou religiosa de quem opina, mas sim sob a ótica social e de saúde pública.

“Parece-me bastante obvio que uma pessoa de razoável situação socioeconômica tenha facilidade em se posicionar contrariamente ao aborto. Seguramente essa pessoa, se mulher, teve acesso à educação e terá condições de assumir a maternidade ou se socorrer de médicos particulares na hipótese de uma gravidez indesejada”.

Para a advogada, a realidade de mulheres mais carentes é muito diferente. “A criminalização da interrupção da gravidez fora das hipóteses legais acaba impulsionando essas mulheres, que já são hipossuficientes, para a adoção de métodos obscuros e extremamente arriscados de interrupção da gravidez. Essas práticas colocam em risco a vida dessas mulheres e geram uma grande demanda de atendimentos – pós procedimentos irregulares – ao SUS”, explica.

A ex-juíza acredita que o aborto necessita de um novo olhar do Poder Público. “Precisa ser compreendido como um direito, ser aceito como uma decisão de foro íntimo de quem o escolhe e, principalmente, ser tratado como um problema de saúde pública, que tem natureza universal e se insere dentro do espectro do dever estatal”.

Leia a reportagem completa no LexLatin.

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