Assim que se soube que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, havia determinado a suspensão dos processos contra o senador José Serra, o juiz federal de São Paulo, Diego Paes Moreira, que atua na força-tarefa da “lava jato”, aceitou denúncia contra o senador. A decisão do STF foi liberada às 16h56. O juiz partiu para o contra-ataque às 18h04.
Juristas e advogados consultados pela ConJur consideram este ato um abuso de autoridade. Em vigor desde o 3 de janeiro deste ano, a lei contra o abuso de autoridade (nº 13.869/19) expandiu o que a legislação anterior entendia como condutas excessivas por parte de servidores públicos e autoridades.
Segundo Cecilia Mello, especialista em direito administrativo e penal que atuou por 14 anos como juíza federal no TRF-3, a decisão de recebimento da denúncia reveste-se de flagrante nulidade. “Haja vista a existência de prévia decisão do ministro Toffoli no sentido de suspender o curso do processo na origem.”
“Embora a decisão de recebimento da denúncia possa ter sido proferida equivocadamente, considerado o pequeno lapso temporal verificado entre as duas decisões, fato é que já poderia ter sido revista pelo próprio juiz de primeiro grau. Infelizmente, situações como essa não representam novidade ou são isoladas e acabam colocando em xeque a necessária imparcialidade do juiz.”
“Simples. Na República, o STF dá a última palavra. Se o processo foi suspenso, suspenso está. Se de fato o juiz, quando recebeu a denúncia, sabia que o STF havia suspendido o feito, e ainda assim recebeu a denúncia, então o ato do juiz perigosamente arranha o abuso de autoridade. Basta ler a nova lei”, disse o jurista Lenio Streck, colunista da ConJur.
“O recebimento de denúncia pelo magistrado de primeira instância, mesmo após o presidente do STF anular as medidas cautelares determinadas, sob o fundamento de que juiz usurpou a competência do próprio Supremo, é mais um episódio que vemos com frequência de falta de observância às determinações da Corte Maior”, disse o criminalista Luís Henrique Machado.
Já para Almino Afonso Fernandes, constitucionalista e ex-conselheiro nacional do Ministério Público, disse entender “que a suspensão levada a efeito na liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli dizia respeito tão somente à busca e apreensão deferida pelo juiz de primeiro grau, em virtude da cautela implementada ter sido realizada nas dependências e arquivos resguardados pela imunidade parlamentar em que o acusado, na condição de senador, ostenta”.
“Mas, no que diz respeito ao recebimento da denúncia formulado pelo Ministério Pública e recebida pelo juiz, relacionada a fatos pretéritos ao atual mandato do senador, a competência é do juiz de primeira instância, em consonância com o que tem sido decidido pelo STF.”
O criminalista Daniel Gerber
Daniel Gerber, criminalista com foco em compliance político e empresarial, disse que “a politização do Judiciário chegou ao ponto alto de termos uma Suprema Corte que não se vê respeitada, sequer, pelos juízes de primeira instância”.
“Há muito — consequência clara do pensamento de justiça social adotado com a operação “lava jato” — que o Direito legislado se viu substituído por decisões casuísticas e ideológicas, motivo pelo qual essa espécie de enfrentamento e desrespeito interno aos julgados que deveriam orientar tribunais e varas não causa surpresa. A porta está aberta, e se posturas severas não forem adotadas no resgate de uma autoridade que se perde diariamente, fácil percebermos que o problema se repetirá, tornando-se muito maior do que o enfrentado em um específico caso.”
Para o criminalista Daniel Bialski, “se há uma decisão do Supremo, determinando a suspensão do andamento do procedimento, o juiz não podia decidir”. “Sua decisão desrespeita aquela emanada pelo Supremo, e é nula. Se há discussão sobre a competência, não poderia ter sido proferida qualquer decisão de admissibilidade da acusação. A Suprema Corte é soberana e esta decisão monocrática é passível de reclamação.”
Reportagem publicada no Consultor Jurídico.