Responsável por julgar ações contra o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), o STF (Supremo Tribunal Federal) tem sido a principal esperança de juízes e procuradores que tentam reverter punições administrativas aplicadas pelos órgãos.

Esses processos envolvem suspeitas de irregularidades e acarretam sanções como afastamentos ou aposentadoria compulsória das carreiras.

Já no fim do ano passado, uma decisão do Supremo beneficiou magistrados punidos com aposentadoria compulsória em 2010, por um episódio que aconteceu entre 2003 e 2005 em Mato Grosso.

Eles foram investigados sob suspeita de desvios de R$ 1,4 milhão para uma loja maçônica.

O caso envolveu magistrados que receberam dinheiro do Tribunal de Justiça de Mato Grosso a título de remunerações atrasadas e, em seguida, fizeram empréstimos à maçonaria. À época, o próprio corregedor do tribunal entendeu que o repasse poderia ser um esquema de favorecimento com dinheiro público.

Eles foram punidos pelo CNJ em 2010, mas na Justiça comum acabaram absolvidos em 2017 pela própria Justiça de Mato Grosso, sob o entendimento de que tinham créditos a receber e que os valores que foram repassados eram devidos pelo estado.

Em novembro de 2022, a maioria da Segunda Turma do Supremo entendeu que a absolvição penal deve repercutir no processo administrativo, e as sanções do CNJ foram anuladas. O ministro Edson Fachin discordou, mas foi derrotado.

Neste ano, o STF também derrubou decisões dos conselhos por meio de determinações individuais de ministros.

Em uma das suas últimas determinações antes de se aposentar, em abril, o ministro Ricardo Lewandowski suspendeu a aposentadoria compulsória do desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Siro Darlan, aplicada pelo CNJ.

Siro colocou em prisão domiciliar um acusado de chefiar uma milícia em Duque de Caxias (RJ), o policial militar reformado Jonas Gonçalves da Silva, o Jonas É Nós —o que levantou suspeitas, já que o filho de Siro tinha atuado, até pouco antes do pedido de habeas corpus, como advogado de Jonas.

Em 2021, Siro já tinha sido afastado do Tribunal de Justiça do Rio pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) sob suspeita participar de um esquema de venda de decisões. A ação penal, porém, foi suspensa.

Sobre o caso Jonas, a defesa do juiz argumentou ao Supremo que foram usadas provas ilícitas de uma delação premiada inválida no processo.

“Tal colaboração premiada foi trazida aos autos do feito administrativo e sempre foi utilizada como sustentáculo para a gravíssima imputação feita contra o desembargador Siro Darlan”, criticou a defesa, assinada pelos advogados Julio Matuch de Carvalho e Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.

Após a decisão de Lewandowski, o juiz disse nas redes sociais que “Deus é maravilhoso” e que o “ressuscitou”.

Em março, o ministro Luiz Fux também suspendeu o afastamento por 30 dias do procurador da República Eduardo El Hage, coordenador da extinta força-tarefa da Lava Jato no Rio, em processo do CNMP que o acusa de ter divulgado informação sigilosa da operação.

Fux afirmou que concedeu a suspensão para que o CNMP julgue um recurso de El Hage contra a sanção.

Foi a partir de 2020 que o STF passou a centralizar processos contra o CNMP e o CNJ na corte. Antes, algumas ações já eram apresentadas no tribunal, mas outras também eram enviadas à Justiça Federal.

Especialistas consultados pela Folha afirmam que antes da mudança de entendimento do Supremo atos dos conselhos chegavam à corte apenas por meio de ações constitucionais, principalmente mandados de segurança —instrumento concedido a quem tem direito violado por autoridade pública.

“Se não coubesse o mandado de segurança, mas apenas uma ação ordinária, o ato seria discutido na Justiça Federal de primeira instância”, diz a advogada e juíza federal aposentada Cecília Mello. “Havia, sim, uma insegurança jurídica porque atos similares poderiam estar sendo avaliados de forma diferente nas instâncias ordinárias da Justiça Federal e no Supremo.”

O doutor em direito José Miguel Garcia Medina afirma que “com poucas palavras, pode-se dizer que o Supremo entende que o CNJ e o CNMP, por conta da posição que ocupam, devem ser processados no STF”. A exceção são ações sobre atos normativos do CNJ, como contratos, que não são de responsabilidade Supremo.

Com a mudança em 2020, houve defesa que apresentou ao Supremo novo pedido para reverter punição —mesmo em casos que já haviam sido negados.

É o caso do juiz Joaquim Pereira Lafayette Neto, de Pernambuco, que foi aposentado compulsoriamente pelo CNJ por acusação de ter se embriagado, dirigido até um bar, onde teria bebido ainda mais, assediado duas mulheres e, com uma arma em mãos, ameaçado atirar.

A defesa do juiz havia alegado “embriaguez acidental”, porque sendo o juiz diabético, essa condição agravou os “efeitos que geraram desequilíbrio”.

Em 2013, Lewandowski concedeu uma liminar (decisão provisória) durante o recesso de julho do Judiciário suspendendo a penalidade do CNJ. Em 2016, o ministro Luiz Fux derrubou a decisão e manteve a aposentadoria.

Em janeiro deste ano, Lafayette Neto ingressou com uma nova ação no Supremo na qual tenta retornar à atividade de juiz, retomando o argumento de que a pena aplicada pelo conselho foi desproporcional. O caso foi distribuído para Fux.

Outro juiz que tenta ingressar novamente na carreira é Eduardo Luiz Rocha Cubas, de Goiás, que em 2018 informou ao Comando do Exército que mandaria recolher urnas eletrônicas para os militares fazerem perícia nos aparelhos.

Sua defesa afirma que ele determinou somente “a busca e apreensão de apenas três módulos de urnas eletrônicas” e que “isso jamais poderia inviabilizar a realização das eleições ou conferir efeito ideológico” às suas ações.

Tanto o caso de Lafayette Neto como o de Rocha Cubas ainda não foram analisados pelos ministros.

Publicado na Folha de S.Paulo

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