A Olimpíada de Tóquio de 2020 apenas pôde começar em 23 de julho de 2021, mas trouxe diversas pautas que ultrapassaram o âmbito dos jogos esportivos. Chamou atenção, muito especialmente, o significativo número de atletas LGBTQIA+, quando comparado aos eventos anteriores.
CONNEL e PEARSE, no livro Gênero: uma perspectiva global, apontam que habitualmente o gênero é notado como algo que nos é oferecido e, logo no primeiro contato, a pessoa é reconhecida como homem ou mulher, menino ou menina. Com essa distinção, logo são delimitados e organizados os compromissos e possibilidades. Partidas de tênis na modalidade de duplas mistas exigiriam duas pessoas de cada gênero, mas a maior parte dos esportes estabelece um único gênero para cada modalidade de disputa.
Ocorre que a autopercepção de gênero não é necessariamente um estado predeterminado e inflexível; pode ser uma condição em desenvolvimento. Nas palavras de Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher; torna-se”. Da mesma forma, não se nasce homem; mas é preciso tornar-se um homem.
O gênero vai além de uma experiência estabelecida pela natureza, de uma imposição social ou de exercício de poder: as pessoas podem construir a si mesmas e reivindicar um lugar na ordem de gênero.
O pluralismo, princípio reconhecido pelas constituições contemporâneas, deve ser o paradigma do Estado Democrático de Direito. Há aqui o dever de respeito e proteção aos projetos de vida que não espelhem o padrão escolhido pela maioria da sociedade. É o direito à diferença.
São anos de luta que lentamente vão levando ao reconhecimento dos direitos da comunidade LGBTQIA+, mas ainda são latentes o preconceito, a exclusão social, a violência e o desrespeito. Entre avanços e retrocessos sociais, o Brasil, por meio de seus Tribunais Superiores, vem reafirmando as garantias constitucionais dos cidadãos LGBTQIA+. O Supremo Tribunal Federal, na ADPF 132/RJ, fixou entendimento no sentido de que a liberdade para dispor da própria sexualidade encontra amparo na Cláusula Pétrea da Constituição.
Nos holofotes dos Jogos Olímpicos, a pauta LGBTQIA+ ganha mais um forte elemento de inclusão, propiciando que as pessoas sejam reconhecidas da maneira como efetivamente se veem e desejam ser percebidas.
A Carta Olímpica, código de regência dos Jogos Olímpicos, evidencia que o esporte é indissociável dos direitos humanos e que todos os cidadãos devem ter a possibilidade de praticar esportes sem sofrer qualquer tipo de discriminação, pautando-se no dever de entendimento mútuo, amizade e solidariedade (art.4º).
Em comparação aos Jogos Olímpicos de 2016 sediados no Rio de Janeiro, o número de atletas que abertamente se declaram LGBTQIA+ na Olimpíada de Tóquio são cerca de 163 esportistas, quase o dobro do números de gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros, queer e não binários na última edição dos jogos, refletindo um crescente acolhimento das diferenças de gênero nos esportes e na sociedade como um todo.
O esporte para além de fazer seus participantes mais resistentes, resilientes e aptos, proporciona aos atletas da comunidade LGBTQIA+ a superação gradativa de preconceitos disfarçados de ciência. Certamente, Tóquio 2020 acrescentou, e muito, para futuras competições com mais representatividade.
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