A obrigatoriedade de vacinação contra a covid-19 já tomou a discussão política no Brasil, embora ainda não haja um imunizante com eficácia comprovada cientificamente. Testes em fase 3, a última, seguem em curso e, apesar de os primeiros resultados apontarem para a segurança da vacina, a eficácia precisa ser atestada.

O debate da compulsoriedade envolve, de um lado, o presidente Jair Bolsonaro que se manifesta contrário à vacinação obrigatória. Do outro, o governador João Doria (PSDB) e parte dos especialistas falam em necessidade da medida para frear o avanço da pandemia.

Para a advogada Cecilia Mello, do escritório Cecilia Mello Advogados e ex-juíza no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a discussão é precipitada. “Como determinar obrigatoriedade de uma vacina que ainda não existe?”, questiona, em entrevista ao Estadão.

Além disso, segundo ela, impor a exigência da imunização não significa forçar que os cidadãos recebam a substância no corpo. As medidas relacionadas à obrigatoriedade envolvem estabelecer sanções na vida social, como proibir acesso à educação ou deslocamento entre divisas e fronteiras para quem não tiver a carteira de vacinação atualizada.

Leia a entrevista a seguir:

A Justiça deve definir a vacinação contra a covid-19 como obrigatória no Brasil?

Evidentemente, se fosse o momento adequado e houvesse um conflito, se poderia submeter isso à avaliação da Justiça. Só que essa questão da obrigatoriedade é absurdamente precipitada, completamente descabida. Estamos falando de uma vacina que cientistas e pesquisadores chamam de primeira geração, ou seja, é nova. Estamos falando de uma vacina cujos ensaios não acabaram ainda. Você não sabe ainda se é eficaz, por quanto tempo e em que faixas etárias. Como determinar obrigatoriedade de uma vacina que ainda não existe?

Os governos podem adotar medidas legais para obrigar as pessoas a se vacinarem?

Hoje, é totalmente precipitado. Então, também é precipitado que Estados avancem na competência da União e do Programa Nacional de Imunização. Teria de ter, primeiro, a obrigatoriedade ou omissão, no tempo certo, nas condições certas, para então pleitear que, diante de omissão, o Estado pudesse fazer isso. Havendo omissão da União, se delegaria a competência aos Estados, mas isso passa por pressuposto técnico da Anvisa.

Quais as implicações de contrariar uma possível obrigatoriedade da vacina?

O Brasil já tem mecanismos e tem seguido o calendário da Organização Mundial da Saúde quanto a vacinas obrigatórias há anos. As medidas não são laçar as pessoas no meio da rua e sair dando vacina. Você cria mecanismos de controle como carteira de vacinação para creche, escola, trabalho. A pessoa tem de mostrar que foi vacinada. E tem o Regulamento Sanitário Internacional, que o Brasil é subscritor. Portanto, se houver decisão em termos internacionais, vai ter barreira em portos e aeroportos de fronteiras. E pode também instituir barreiras no transporte terrestre viário entre Estados. Um país civilizado busca mecanismos de efetivar essa obrigatoriedade e o principal mecanismo é a informação. Essa barbaridade que estão fazendo na discussão vai acabar gerando questões ideológicas. Isso vai baixar esse potencial de credibilidade que a população tem na vacina.

Entrevista publicada em O Estado de São Paulo.

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